Perguntando
Assim vemos a questão da migração, do racismo e do feminismo!
O racismo no dia a dia está se tornando aceitável na Alemanha? O que pensam sobre isso seis artistas que, em seus romances, vídeos, peças de teatro, instalações e música, se posicionam de maneira irreverente, atenta e aguda frente ao assunto.
FATMA AYDEMIR: ELLBOGEN (COTOVELO)
Na H&M, sentimos o cheiro fresco de um spray de ambiente. Seguimos diretamente para a parte de trás da loja, onde estão as roupas em liquidação. Perto da nossa casa, na Müllerstrasse, tem também uma filial, mas ali as coisas boas são vendidas sempre de imediato. As pessoas já fazem filas pela manhã, com seus carrinhos de bebê, antes mesmo que a loja abra suas portas. Aí entram correndo e agarram todas as roupas que não sejam listradas ou cor de laranja. No bairro Mitte, é diferente. Ali, por volta das 10 da manhã, quase não se vê gente na rua. E as poucas mulheres que a essa hora não estão no trabalho perambulam com cara de tédio pela loja e tocam no máximo em um ou dois vestidos com a ponta dos dedos, até que saem de novo para passear depois de comprar um pacote de três meias. Elas nem olham para as mercadorias em liquidação.
Trecho do romance Ellbogen (Cotovelo), de Fatma Aydemir
“As ‘feministas brancas’ muitas vezes não têm consciência de seus privilégios. No dia a dia, existem muitas fronteiras concretas que excluem as ‘women of color’ dos espaços. Hazal, a heroína de meu romance, não nomeia apenas essas fronteiras, mas tenta sempre dissolvê-las. Nesta cena, são abordadas, por exemplo, as barreiras econômicas e sociais entre os bairros berlinenses Mitte e Wedding. Ou seja, duas filiais da mesma cadeia de lojas de roupas, com exatamente a mesma oferta de produtos, podem ter uma conotação muito diferente em função do poder de compra e da origem social das clientes.”
TECHNOCANDY: MEU NARIZ ESCORRE – SUAS ESTRELAS DE PERTO
não gosto de vítimas
gosto, quando se gosta do país,
eu amo e amo
amo mulheres e crianças
quem ama o país, ali fica
quem ama o país, recolhe o lixo das trilhas: amar o ambiente é amar a pátria
“O vídeo é a parte intermediária de uma trilogia de trailers que filmamos para nossa primeira peça conjunta de teatro. Para Meine Nase läuft – Deine Stars hautnah (Meu nariz escorre – suas estrelas de perto), analisamos, como ponto de partida, diversos movimentos ‘novos’ de direita. E apontamos paralelos entre eles: um exemplo é o Movimento Identitário, que procura passar uma imagem próxima do povo, consciente de suas tradições e ao mesmo tempo ‘hip’. Em suas aparições e comportamento retórico, o movimento apresenta-se com suas ações, por um lado, como ‘rebelde’ e jovem de direita. Por outro lado, tenta, ao mesmo tempo, atrair o centro burguês por meio de vídeos publicitários.”
“Posições, opiniões e ações de direita passam a ser cada vez mais vistas como normais, e o limite daquilo que se diz ou se faz vai escorregando sempre mais para a direita. Ao mesmo tempo, durante a fase de preparação da nossa peça, em 2015/2016, foram aumentando os grupos de patrulha nacionalistas. Conclamando à justiça pelas próprias mãos e à proteção do ‘corpo do povo alemão’, bem como à defesa da ‘mulher alemã’, eles disseminam palavras de ordem direitistas, racistas, antissemitas, populistas e reacionárias. Palavras essas aplicadas até hoje em ataques violentos contra negrxs, outros grupos étnicos não-brancos, judeus e judias.”
“No palco, representamos nós mesmas esses racistas do cotidiano que, apesar de casaquinhos cor-de-rosa, são tudo menos inofensivos. Como atrizes no palco, é importante para nós o desafio artístico trazido pela própria impotência frente à violência estrutural que nos assola todos os dias e em muitas dimensões. Rompemos com a narração tradicional, na qual os marginalizados só podem ser vítimas: no espaço do teatro, tornamos concreta uma utopia, na qual os radicais de direita, o chamado ‘novo centro de direita’, e racistas de toda ordem são subjugados pelos marginalizados.”
NURAY DEMIR: INSTALAÇÃO BANNER, 600 X 140 CM, 2017
“Em minha instalação banner, estabeleço uma ligação, tanto do ponto de vista de conteúdo quanto formal, entre uma série de teorias e formatos de textos feministas que circulam desde os anos 1990 sem terem merecido até hoje a devida atenção. Para a instalação banner, resgato a prática da confecção e do uso das faixas em manifestações e os transfiro ao campo da arte, ou seja, ao espaço de exposição. Os trechos dos textos e as citações relacionam-se a exigências que continuam mais atuais que nunca, deixando evidente a necessidade de ação nos setores da arte e da cultura. A interação estética entre os tipos de texto heterogêneos pode também perfeitamente ser compreendida como apelo a uniões solidárias de práticas feministas avulsas que envolvem racismos, classismo e a reivindicação de reconhecer a migração como situação normal. Diga-se de passagem, o feminismo significa, para mim, sempre um feminismo interseccional.”
TARIK TESFU: PELE SUSPEITA
Para vocês da “gangue do isso a gente ainda deve poder falar”, eu sou o estrangeiro, o refugiado, o de pele escura, o fodidor de cabras, o traficante de drogas, o nigger, a torta de chocolate, o outro. E eu pensva: sou apenas eu mesmo. Que burro de minha parte!”
“Em tempos de AfD e cia., tenho com frequência a sensação de que muita gente só passou a perceber agora: opa, a Alemanha tem um problema de racismo! Mas o racismo sempre esteve aí, agora ele só se tornou mais ‘aceitável’. E como solucionar esse dilema? Com femstream! O racismo e o patriarcado antigo só podem ser derrubados do trono se o feminismo e o mainstream saírem pulando de mãozinhas dadas vida afora. Graças ao feamstream, o apreço a todas as pessoas logo terá chegado ao mainstream. Uhu!”
THANDI SEBE, AMINA EISNER: JOVENS, VENENOSAS E NEGRAS
OLLE1: Quando eu era mais jovem, sempre me maquiava em tons escuros, porque sempre quis ter a pele assim.
POLLY: (ficando aos poucos muito nervosa) Isso tem nome: blackfacing.
OLLE1: Mas eu também tenho uma meia-calça preta... Isso é blackfacing nas pernas? Tipo blackpernar :) ri
OLLE2: Você fazia isso no sentido positivo, como uma homenagem às pessoas negras. Não, então não é racista.
LAELA: Blackfacing é sempre racista.
OLLE2: (zu Polly) Ei, sabe quem você me lembra muito? A Beyoncé! Você se parece muito com ela!
POLLY: (agradecida) sério?
OLLE2: Sim, um exagero, não é? (para OLLE1. Ela concorda)
(para LAELA) E você parece muito com a Tina Turner.
Trecho da peça Jovens, venenosas e negras, de Thandi Sebe e Amina Eisner
“Esse é um diálogo importante extraído da nossa peça de teatro Jovens, venenosas e negras, que aparece em forma de flashback em vídeo projetado no palco. Duas mulheres brancas encontram-se com as duas protagonistas negras, Polly e Laela, no banheiro de um clube noturno. E tentam envolvê-las em uma conversa, na qual as duas são reduzidas à condição de negras e à ideia de ‘descoladas’ associada à negritude.”
Amina Eisner, nasceu em 1990 em Berlim, estudou Atuação e Direção de Teatro (Drama) na Liverpool John Moores University. Junto com Thandi Sebe escreveu Jovens, venenosas e negras. A peça foi também dirigida pelas duas, que atuaram no palco como Polly e Laela. No momento, Amina Eisner vive e trabalha em Londres.
EBOW: ASILO
Todos soam assim: asilo
E todos cantam assim: asilo
Me dê o visto.
Asilo.

“É importante, sobretudo como feminista of color, expressar-se com sua arte sobre temas políticos. Minha motivação para compor canções como Asyl (Asilo) é reclamar um espaço onde minha opinião seja tão importante quanto aquela de jornalistas, especialistas, políticxs etc. Meus textos não fazem uma análise de fora, mas de dentro para fora. O rap sempre foi para mim um instrumento para explicitar minha perspectiva em diversos âmbitos, seja através de provocações ou do humor.”
Ebow é o nome artístico de Ebru Düzgün. Ela chamou a atenção pela primeira vez durante performances de guerrilha no bairro próximo à estação ferroviária de Munique. Seguiram-se várias apresentações ao vivo em palcos mais convencionais. Com o vídeo-mixtape Habibi’s Liebe und Kriege (O amor e a guerra de Habibi), de produção própria e com duração de 30min, Ebow situou-se entre o hip-hop e sons orientais, condensando a realidade social com textos sarcásticos sobre papéis de gênero na comunidade turca na Alemanha, falso patriotismo e até comércio de armas.