Ágnes Heller
De várias formas, eles são atores novos. Mas são “populistas”?
Caros amigos,
Tenho um problema com a expressão “populismo”. Perón era um populista, assim como Chávez era, mas Orbán e seus amigos não são populistas. Populistas são demagogos, sim, mas os que citei eram realmente voltados para o “povo” e não para as classes mais abastadas. Alguns partidos totalitários europeus também eram populistas, ainda que apenas de início. Orbán e seu partido, por outro lado, vêm criando sua própria oligarquia, os “novos ricos”, cuja riqueza depende inteiramente deles mesmos, enquanto o abismo entre ricos e pobres cresce cada vez mais. Eu diria, de uma outra forma, que é um tipo de “refeudalização”. Esses partidos “etnonacionalistas” nem mesmo se propõem a amparar o “povo”, eles amparam a “nação”. Eles reivindicam para si a tarefa de defender esta nação contra o que colocam como sendo os inimigos da mesma, como Soros, Bruxelas e, antes e acima de tudo, contra o liberalismo. A identificação do liberalismo como inimigo número um não é uma novidade, os etnonacionalistas têm isso em comum com os partidos totalitários. Apesar de não serem totalitários, porque não precisam ser.
Populismo ou etnonacionalismo?
Ágnes Heller

O etnonacionalismo tem sido uma ideologia tradicional na Europa desde 1914, e foi, na verdade, a motivação ideológica da Primeira Guerra Mundial. A Europa pagou essa guerra com cem milhões de cadáveres, todos eles europeus mortos por companheiros europeus.
É verdade que os novos etnonacionalistas diferem daqueles da primeira metade do século 20 naquilo em que sua ideologia é negativa. Eles não prometem conquistas territoriais, uma sociedade sem alienação, felicidade para todos, nem mesmo grandeza. Eles prometem proteção. E alegam estar protegendo a sociedade contra migrantes, contra a interferência externa em sua política doméstica, contra uma suposta redução de soberania por conta da União Europeia. Eles constroem muros não apenas contra imigrantes, como dizem, mas também contra outras nações da União Europeia que não concordam com eles.
Há novos partidos emergindo do nada e que não representam ninguém, embora reivindiquem para si a tarefa de representar a nação, de defender a nação, angariando assim votos através de ideologias negativas. Eles são perigosos!
Ágnes Heller
A democracia foi definida e redefinida muitas vezes na história europeia. Originalmente, ela significava democracia direta, como no modelo ateniense. Na visão de Kant, a democracia se tornou impossível nos tempos modernos porque os países foram ficando grandes demais e o povo não podia mais se reunir em um só lugar para tomar decisões comuns. Os Estados Unidos foram o primeiro tipo de nova democracia e, somente após a aprovação da Primeira Emenda, uma democracia liberal. Ainda levou um longo tempo para que se chegasse ao sufrágio universal. Por algumas décadas no século 19 e outras sobretudo na segunda metade do século 20, na Europa Ocidental e mais tarde também no Sul da Europa, a democracia foi identificada como liberalismo combinado com soberania popular e sufrágio universal. Por um tempo, a palavra “democracia” foi sinônimo de soberania popular através do sufrágio universal, divisão de poderes e liberdades constitucionalmente garantidas. Agora estamos nos deparando com uma nova metamorfose do termo “democracia”.
O que aconteceu? Para resumir uma longa história, a sociedade de classes se transformou em sociedade de massa. Desde que não existam mais classes (através da não existência da consciência de classe), o povo se transformou em “massa”. Todos os partidos tradicionais, incluindo conservadores e socialistas, estão perdendo seus eleitores. Novos partidos estão surgindo do nada e não representam mais indivíduos. Em vez disso, alegam representar “a nação” que defendem. Eles angariam votos através de ideologias negativas. As ideologias negativas são modelos de niilismo. E elas são perigosas.
Sobre esse perigo eu gostaria de falar na minha próxima carta, mas, antes disso, gostaria de ouvir seus comentários sobre minhas ideias, minhas dúvidas e, em particular, minhas críticas.
Ágnes Heller