Pensando o amanhã

Lisboa
Vítor Belanciano, jornalista, crítico cultural, cronista e professor universitário

Até agora, a União Europeia caminha ao revés dos mais frágeis, andando ao ritmo dos mais fortes, sem perceber que, ao continuar assim, se desagregará, com consequências para todos. Pois existe um momento, no qual é necessário, do ponto de vista geopolítico, aprofundar os valores da UE, este momento é agora.

Curitiba
Bebeti do Amaral Gurgel, brasileira, leonina, jornalista, escritora, LGBTQUVWXZ

É triste, difícil e pesado estar nas mãos de um governo que pratica o negacionismo da pandemia. Não há a mínima simpatia pelas famílias dos que morreram, um gesto sequer. E também não há instruções do que fazer, como fazer. Eu até ontem lavava as frutas com água sanitária.

Luanda, Berlim, Lisboa
Kalaf Epalanga, músico e escritor

A crise do Covid-19 representa também uma oportunidade para que algumas práticas nos sistemas de saúde sejam reformadas. Isso me leva de volta aos otimistas 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e ao relatório da ONU, em que se sublinha a necessidade de reforçar as intervenções nos países onde a malária ainda é endêmica. Só em Angola, saem anualmente cerca de 150 mil cortejos fúnebres de crianças, na sua maioria vitimas de malária e subnutrição.

Hanói
Giang Dang, pesquisador e ativista

Dizem que uma crise desnuda o que já estava lá. É verdade com certeza quanto ao nacionalismo vietnamita. Cegos pelo ódio contra a China, muitos vietnamitas celebram Trump como um herói, porque ele chamou o corona de vírus chinês.

Sófia
Georgi Gospodinov, escritor

Como os rituais de intimidade vão mudar, como resultado? Como nos tocaremos, abraçaremos e nos aproximaremos uns dos outros novamente? Temos um longo caminho pela frente, polegada por polegada, para diminuir a distância entre nossos corpos.

Buenos Aires
Martín Kohan, escritor

A margem de incerteza cresceu exponencialmente, assim como a propagação do vírus. Não sabemos o que vai se passar, nem mesmo em curto prazo. E esse não saber, creio, é definidor deste estado de suspensão. impera o que não se sabe. A profunda necessidade de certezas (incluindo as mais modestas) nos coloca vez ou outra diante destas evidências: a de que estamos afundados no que não se sabe.

Kigali
Assumpta Mugiranzea, socióloga

É a primeira vez que a sociedade ruandesa está encarando uma crise “compartilhada”, cujos fatores são externos. Será necessário analisar em maior profundidade o que mudou na na percepção do próprio país, na relação de cada um com os vizinhos (26 anos depois do genocídio), na relação que os cidadãos têm com as autoridades e que os indivíduos têm com as estruturas institucionais.

Nova Délhi
Amar Kanwar, artista e cineasta

Se cada momento contém a possibilidade de estar vivo ou morto, poderia uma consciência aguda de cada momento criar, então, uma consciência acirrada de vida e morte?

Salvador
Tiago Sant’Ana, artista

As medidas de proteção para pessoas mais pobres são limitadas. As campanhas de doação e as ações de filantropia não serão suficientes, porque precisamos de políticas sociais mais profundas e efetivas – em curto e longo prazo. No Brasil, temos um governo de extrema direita no poder, então, prevejo que o investimento não chegará para o setor social logo.

Lisboa
Daniel Blaufuks, artista

A situação mostra também o quão fraca se tornou a União Europeia, incapaz de enfrentar unida uma catástrofe pandêmica. Isso permanecerá de fato a ser simbólico: como os países ricos do Norte, como Alemanha, Países Baixos e Suécia, não estarão dispostos a ajudar, pelo menos de forma rápida e decisiva, seus parceiros mais pobres do Sul. E isto, infelizmente, não será esquecido tão cedo.

Praga
Petra Hůlová, escritora

O que estamos todos experimentando no momento é um empurrão nos limites da nossa imaginação. Sempre nos foi dito que vivemos em um sistema que não pode ser mudado, para o qual não há alternativas. Agora vemos como a vida pode mudar radicalmente em questão de dias.

Hong Kong
Angela Su, artista de mídia e performer

As leis e regulamentações que temos hoje surgiram, frequentemente, como resultado de surtos epidêmicos. No entanto, mesmo que a pandemia da Covid- 19 traga mais do que apenas uma ruptura temporária, não haverá nenhuma mudança fundamental enquanto ainda estivermos em uma sociedade neoliberal, capitalista, patriarcal e xenófoba.

Essex Norte
A. L. Kennedy, escritora

No Reino Unido, vemos nosso governo não fazer nada em termos bons, ouvimos mentirem e se esquivarem neste momento em que precisamos mais que nunca da verdade. Vemos, mais uma vez, grandes diferenças em política e saúde pública entre as regiões do Reino Unido. Todos os dias agora tem gente morrendo que não deveria estar morta.

Lisboa
Lídia Jorge, escritora

O poeta Robert Musil dizia que todos os dias nasce uma era. É verdade, mas há dias em que as eras que nascem são escritas com maiúsculas maiores, e este é o caso. Estamos a assistir às dores de parto de um tempo novo.

Nova Délhi
Coletivo de Mídia Raqs

O mundo e nossa consciência interconectada, devastada pela quarentena, emergirá, herdando um novo senso de perigo e possibilidade. Talvez este tempo nos ensine a tornar o tempo nosso aliado e não nosso adversário. Talvez encontremos novas linguagens para o pensamento e a ação. Talvez tenhamos pouco fôlego. Esperamos não ter pouco tempo.

Cidade do México
Julieta Lomelí, filósofa

Acreditamos que o inimigo é um vírus invisível. No entanto, o inimigo não é a Covid-19. O inimigo é a escassez de suprimentos médicos, o adoecimento e a morte de milhares em função de décadas de negligência política e da falta de empatia em relação à preservação da vida humana.

Wellington
Paul Diamond, escritor

Depois de um mês de descanso forçado do consumismo desenfreado, será que os neozelandeses continuarão fazendo o que faziam quando não estavam comprando? De uma forma mais abrangente, a pandemia forçará uma reavaliação de toda a base da nossa economia.

Nova Délhi
Romila Thapar, historiadora

A globalização não deveria estar elevando padrões de vida, eliminando a pobreza, provendo saúde universal, educação para todos, e promovendo os direitos humanos e a justiça social? A globalização pode ser defendida como uma forma contínua de futuro? Todas as nossas aspirações estão sendo cremadas diariamente e aguardamos a devastação da Terra.

Hong Kong
Sampson Wong, artista

A hegemonia do regime autoritário chinês está finalmente enfrentando um grande desafio ao crescimento incessante de seu poder na última década. Pessoas de todo o mundo se lembrarão que o encobrimento e a censura do governo chinês foram fatores cruciais que levaram à pandemia.

Bruxelas
Rachida Lamrabet, escritora

Vejo pessoas sonhando e pensando alto. Acredito que tenhamos a habilidade de reimaginar nosso mundo para refutar o dogma do “não há alternativa”. Podemos criar um futuro melhor do que o mundo em que vivemos.

Atenas
Detach, curadores

Nosso entretenimento via Zoom/Skype/Houseparty ou outras plataformas de vídeo, forçado pela Covid-19, está se tornando nossa nova selfie múltipla. Uma nova Hidra de Lerna em tempo real. Eis aqui uma nova percepção/um novo consumo pop em massa.

Seul
Sunjung Kim, curadora

A prática prolongada de distanciamento social, a autoquarentena e a permanência em casa está alterando nossa visão da vida e também os ideais das pessoas sobre a vida cotidiana.

Nova York
Bethany Younge, compositora

Nunca antes a falta de apoio médico para pessoas sem plano de saúde nos Estados Unidos pareceu tão repugnante para a sociedade em geral. O fato de a Covid-19 ter afetado mais a vida de afro-estadunidenses em muitas partes do país escancara disparidades raciais e econômicas preexistentes (para alguns).

Ierevan
Ani Qananyan und Ed Tadevossian, artistas

Como toda ferida profunda, isso também deixará uma cicatriz na tez da evolução humana, todavia, depois de duas gerações existirão contos de fadas a esse respeito. O corpo humano desenvolverá imunidade, os virologistas surgirão com uma pílula mágica.

Almati
Dossym Satpayev, cientista político

A situação de crise que emergiu é um novo objeto de pesquisa e um estudo de caso em gerenciamento de crise. Também é um estudo de caso para a psicologia humana em situações de emergência, quando muitos são lançados involuntariamente para fora de suas respectivas zonas de conforto. No Cazaquistão, é um novo desafio para governo e sociedade e um tipo de indicador que revelou muitos problemas.

Portrait of Venezuela von Génesis Alayón

Caracas
Génesis Alayón, artista

Posso comparar tudo isso com uma peça de teatro interminável onde todos representamos estar bem. Desde antes de eu ter nascido todos atuavam: “isso vai passar”. Muitas atrizes e muitos atores abandonaram a cena e outros foram obrigados a deixar o teatro. Esta pandemia invadiu a cena com uma atmosfera de incerteza.

Portraitbild von Michael Zichy in Graustufen; Zichy trägt Brille und kariertes Hemd und schaut schräg aus dem Bild

Salzburgo
Michael Zichy, filósofo

A crise do coronavírus interrompeu o sistema econômico conectado em rede global e, assim, expôs sua vulnerabilidade, forçando países a assumir dívidas enormes e a se recolher dentro dos limites de sua soberania nacional e, como se não bastasse, tem levado as pessoas à incerteza, a crises existenciais, submetendo-as a extrema pressão psicológica.

Head shot Oleg Nikiforov; he wears short hair and black rectangular glasses; in the background buildings

Moscou
Oleg Nikiforov, editor

Minha esperança é uma nova unidade da humanidade que despreze a dispersão babilônica de “ontem” e que ria da nossa distinção formal de raças, classes, nações e circunstâncias históricas. De fato, se o poder desafiador que hoje se opõe à humanidade, e que conhecemos como Covid-19, não reconhece essas diferenças – por que deveríamos?

Portrait of Anne Weber against a gray background; she has curly brown hair and is wearing a black sweatshirt

Paris
Anne Weber, escritora e tradutora

O presidente francês Macron falou de guerra, uma guerra que devo conduzir, armada de sabonete e desinfetante, principalmente me isolando em minha própria casa. Lá há uma outra guerra esperando por mim, uma guerra contra mim mesma e meus medos, para os quais não há nem antídoto nem sabonete.

Quadratisches Bild von Eva Illouz vor bräunlichem Hintergrund; sie hat schwarze, kurze Haare und hält ein Glas in der linken Hand

Jerusalém, Paris
Eva Illouz, professora de Sociologia

Por causa do coronavírus, os jovens que estão vendo e experimentando em primeira mão como pode ser um mundo em colapso, saberão como monitorar melhor este mundo no futuro. Se não o fizerem, não haverá mais um interesse público ou privado a defender.

Munique
Georg Seesslen, jornalista

A crise não pode durar para sempre, senão não seria uma crise, mas o fim. A crise é uma interrupção. Ainda vamos ver se será também uma ruptura. Sobre ela atuam as mais diversas forças. É um período em que, por um lado, algumas possibilidades de ação estão restritas, ou até mesmo completamente impedidas, outras, porém, foram ampliadas.

Dan Perjovschi faz uma selfie em frente a uma janela com reflexos; no vidro da janela, há duas cabeças desenhadas, à esquerda e à direita. Com as assinaturas ele escreve as palavras local e global

Bucareste
Dan Perjovschi, desenhista

Livres para pensar. Impedidos de nos deslocar. É uma espécie de despertador para desacelerarmos e nos desligar. Jamais pararemos voluntariamente. Só paramos obrigatoriamente. Quarentena global? Quem teria pensado nisso? Fronteiras fechadas dentro da Europa? Cidadãos europeus proibidos de dirigir a caminho de seu país de origem?

Retrato de Urvashi Butalia; ela tem cabelos longos pretos-grisalhos e ri para a câmera

Nova Délhi
Urvashi Butalia, escritora e editora

Enquanto escrevo, há centenas de milhares de trabalhadores informais aglomerados nas fronteiras de Nova Délhi esperando para retornar a suas aldeias. Eles não têm comida nem água e estão completamente expostos ao risco. O confinamento é um luxo que os ricos podem bancar, mas para os pobres não há nada.

Retrato de Matti Bunzl; ele usa óculos e parece pensativo

Viena
Matti Bunzl, diretor de museu

O que me preocupa mais uma vez é que a União Europeia não está nem de longe assumindo o papel que deveria. O coronavírus é o epítome de uma crise que ultrapassa fronteiras. E, para isso, precisamos de estratégias unificadas e coordenadas. A epidemia não pode de forma alguma levar a uma ressurreição do Estado nacional.

Foto tirada através de uma janela aberta; do lado de fora, o céu está quase preto

Berlim
Susanne Kennedy, diretora de teatro

Todos nós queremos todas as respostas imediatamente. Queremos saber tudo o que vai acontecer. Como o mundo será depois disso? Que consequências vamos enfrentar? Que tipo de utopia ou distopia nos espera? Não temos respostas ainda. Isso pede tempo. Talvez muito tempo.

Nairóbi
Nanjira Sambuli, cientista política

Muitos dos problemas do país foram varridos para debaixo do tapete, principalmente aqueles relacionados às políticas excludentes e à governança. Agora esse tapete foi levantado. Teremos que lidar com a bagunça. A administração atual finalmente terá que trabalhar para sobreviver. Não acredito que poderemos continuar encobrindo essa sujeira. Haverá grandes esforços nesse sentido, no entanto.

Portrait of Yudhanjaya Wijeratne; he is sitting in a car and wears short hair and glasses

Colombo
Yudhanjaya Wijeratne, escritor

Se a linguagem é uma forma de representar conceitos e as relações entre eles, o coronavírus se tornou o conceito de um futuro incerto, assolado pela recessão, pela retirada de liberdades que antes eram tidas como certas, um mundo que se distancia dos direitos individuais e privilegia os da comunidade.

Escópia
Robert Alagjozovski, escritor

A história da humanidade ainda tem um final feliz, apesar da distopia. Sobrevivemos até os dias de hoje e temos mostrado prontidão para mudar. Somos seres racionais com capacidade e métodos para aprender com os erros e melhorar nosso comportamento e nossa sociedade.

Reflexões sobre uma era pós-corona Pensando o amanhã

Lisboa Vítor Belanciano, jornalista, crítico cultural, cronista e professor universitário

Curitiba Bebeti do Amaral Gurgel, brasileira, leonina, jornalista, escritora, LGBTQUVWXZ

Luanda, Berlim, Lisboa Kalaf Epalanga, músico e escritor

Hanói Giang Dang, pesquisador e ativista

Sófia Georgi Gospodinov, escritor

Buenos Aires Martín Kohan, escritor

Kigali Assumpta Mugiranzea, socióloga

Nova Délhi Amar Kanwar, artista e cineasta

Salvador Tiago Sant’Ana, artista

Lisboa Daniel Blaufuks, artista

Praga Petra Hůlová, escritora

Hong Kong Angela Su, artista de mídia e performer

Essex Norte A. L. Kennedy, escritora

Lisboa Lídia Jorge, escritora

Nova Délhi Coletivo de Mídia Raqs

Cidade do México Julieta Lomelí, filósofa

Wellington Paul Diamond, escritor

Nova Délhi Romila Thapar, historiadora

Hong Kong Sampson Wong, artista

Bruxelas Rachida Lamrabet, escritora

Atenas Detach, curadores

Seul Sunjung Kim, curadora

Nova York Bethany Younge, compositora

Ierevan Ani Qananyan und Ed Tadevossian, artistas

Almati Dossym Satpayev, cientista político

Caracas Génesis Alayón, artista

Salzburgo Michael Zichy, filósofo

Moscou Oleg Nikiforov, editor

Paris Anne Weber, escritora e tradutora

Jerusalém, Paris Eva Illouz, professora de Sociologia

Munique Georg Seesslen, jornalista