Atenas
Detach, curadores

O que simboliza para você a situação atual em nível pessoal ou em seu país?
A situação atual é um loop infinito de feedback entre e através de telas. Esse estado de hipnose não é uma questão pessoal, apesar do fetichismo de teleconferências, estatísticas em tempo real e contagem dos corpos. A experiência do usuário é mediada para evitar o evento real e, ao mesmo tempo, abraçar o medo. Você pode contemplar a deturpação das relações sociais se tornando outro. Você pode contemplar sua redução a relações entre uma criança desordeira e o monopólio de responsabilidade do aparato do Estado. Você pode contemplar a falsa resolução de todas as contradições sociais dentro da esfera da representação.
Em se tornando outro você pode contemplar a sua dependência do consumo de um ciclo infinito do seu próprio eu. Nosso entretenimento via Zoom/Skype/Houseparty ou outras plataformas de vídeo, forçado pela Covid-19, está se tornando nossa nova selfie múltipla. Uma nova Hidra de Lerna em tempo real. Eis aqui uma nova percepção/um novo consumo pop em massa. Cheque sua resolução agora!
Como a pandemia vai mudar o mundo? Quais são, na sua opinião, as consequências da crise em longo prazo?
O capitalismo ama inovação. E o que ele desenvolveu mais do que qualquer outra coisa no curso de sua história foram as ideias inovadoras, tais como os métodos para matar. Ele mata gente no mundo inteiro com bombas inteligentes, armas nucleares, minas, tédio cotidiano, confinamento físico ou digital, arame farpado, guerra química, veículos aéreos não tripulados (drones), fome, consumismo excessivo, esgotamento de recursos naturais, escravidão salarial etc. O capitalismo também ama expansão. A expansão da vigilância, da restrição à liberdade de movimento, do Estado policial, do tecnofascismo, de um permanente estado de exceção, da mera sobrevivência como única razão para viver.
No entanto, a busca por inovação nesse sistema socioeconômico não é um fim em si mesmo. É um meio para a acumulação de riqueza para poucos através da exploração da capacidade produtiva de muitos. E isso pode ser alcançado através da experimentação de ideias antigas. As variáveis em uma equação que inclui fronteiras nacionais rígidas, vigilância, lucratividade e isolamento apontam para o velho ideal do fascismo.
O que traz esperança a vocêS?
Esperança é uma palavra normalmente utilizada de uma maneira estereotipada. Seria mais interessante examinar seu uso como verbo. Ele é frequentemente encontrado em correspondência escrita sem significar nada. Você expressa a esperança de que alguém esteja bem, quando inicia uma mensagem de e-mail. Você espera o melhor para o destinatário quando a mensagem é concluída. Você espera a salvação das almas, em um contexto teológico.
Talvez o significado dessa palavra se tenha perdido porque ela está intimamente conectada com o futuro. E o futuro foi cancelado. Ele parece ser inacessível e individual, um fait accompli (fato consumado). Assombrado dentro do presente sempre recorrente. Esperança não carrega nenhum conteúdo factual. É irreal. Se ainda há esperança, resta descobrir no plural.
Qual sua estratégia pessoal para lidar com esta situação?
Talvez a pior pandemia do mundo moderno seja a pandemia do individualismo. Ele vem sendo cultivado e colonizou todos os aspectos de nossas vidas cotidianas para assegurar a manutenção e reprodução das condições de existência do sistema socioeconômico predominante. A cada dia que passa percebemos mais claramente que o autoaperfeiçoamento não é uma maneira de lidar com e de confrontar uma ditadura biopolítica global. O desenvolvimento de estratégias de sobrevivência pessoal é uma parte e uma parcela da totalidade social homogeneizada.
Deveríamos penetrar o véu dos valores universais dessa totalidade social em nome do bem-estar e da solidariedade globais. Precisamos questionar se alguma vez fomos iguais e equivalentes e se, subitamente, etnia, gênero e discriminações de classe foram reduzidos por causa do coronavírus.