Sófia
Georgi Gospodinov, escritor
Por Georgi Gospodinov

Eu estava próximo de completar minha permanência no Wissenshaftskolleg, em Grunewald, Berlim, quando tudo isto começou. Graças a deus, tenho minha esposa e minha filha comigo. Minha biblioteca ficou em Sofia, e realmente sinto falta da sensação de puxar um livro das prateleiras, mergulhar em seu labirinto, retorná-lo, e puxar outro. Quando tudo isto terminar, os livros vão provar ser nosso primeiro e último refúgio.
É muito importante a maneira como vamos emergir desta crise como seres humanos, e quanto da nossa humanidade será preservada quando deixarmos as cavernas de nossos quartos. A sobrevivência é apenas o primeiro elo da corrente, o primeiro teste, com mais por vir. Há dois possíveis resultados. O primeiro é que o isolamento deflagre hostilidades há muito reprimidas, a fragmentação do humano, transgressão, raiva, novas formas de egoísmo, ou um luto e uma indiferença insondáveis. O segundo é que desenvolvamos sensibilidades renovadas em relação ao mundo perdido, compaixão e empatia, uma nova sensibilidade em relação ao outro e mais racionalidade ao julgar de que realmente precisamos e o que pode ser deixado para trás. Como os rituais de intimidade vão mudar, como resultado? Como nos tocaremos, abraçaremos e nos aproximaremos uns dos outros novamente? Temos um longo caminho a percorrer, centímetro por centímetro, até encontrarmos uns aos outros de novo. Minha previsão mais otimista para o mundo de depois? É tarde outra vez, e estamos em uma pradaria ensolarada – a pradaria do mundo, lendo, bebendo uma cerveja e lanchando. Algumas crianças brincam por perto, a bola subitamente aterrissa a nossos pés e a passamos de volta para elas, rindo.
O que me dá esperança é o testemunho da arte, dos livros, das pinturas, da música – houve tempos assim antes, mas eles passaram e a humanidade sobreviveu. Espero que em tais situações a ciência, o conhecimento e a cultura se mobilizem e entrem em uma nova fase. Espero que nós, humanos, sejamos resilientes e capazes de aprender. Talvez finalmente venhamos a entender que não somos todo-poderosos, mas uma parte da vida, apenas um elo em sua brilhante e complicada corrente. Nada mais e nada menos. E isto é realmente muito importante. Em um determinado sentido, isto é tudo. Nós somos parte da vida.