Formação profissional em jogos
“O poder ainda está nas mãos dos homens”

© Priscilla Tramontano

Pouco a pouco, as Universidades da América Latina estão começando a oferecer disciplinas com foco no desenvolvimento de jogos digitais. Em entrevista, a professora boliviana Brígida Carvajal Blanco fala sobre a crescente participação de mulheres nos projetos de jogos digitais.

Por Camila Gonzatto

Apesar de as mulheres constituírem cerca de 50% dos usuários de jogos digitais, elas ainda representam uma minoria de profissionais no mercado de desenvolvimento dos mesmos. De acordo com a professora Brígida Carvajal, da Faculdade de Informática da Universidade Maior de San Andrés, em La Paz, na Bolívia, esse quadro está mudando dentro das universidades, com maior interesse e participação demonstrado pelas estudantes de disciplinas com foco em jogos. Ela vê o desenvolvimento de games voltados às áreas de educação, leitura, saúde e meio ambiente como uma possibilidade de mudar a cultura dos jogos digitais e buscar a equidade de gênero.

Existem oportunidades de educação e profissionalização para as mulheres na indústria dos jogos digitais?

No nosso setor, esse campo de desenvolvimento vem se abrindo e, segundo minha experiência como professora universitária, posso mencionar que, nos últimos semestres, o desenvolvimento de games foi introduzido como proposta de projeto na disciplina de oficina de sistemas. Isto foi recebido com muita expectativa pelos estudantes que cursam a matéria.

Embora não tenhamos como matéria no curso o desenvolvimento de jogos digitais, pode-se incluir o tema nessa disciplina. Da primeira vez que oferecemos essa possibilidade, mais de 50% dos estudantes optou por desenvolver jogos digitais para diversas plataformas. E a maioria foi até o fim, apesar de seu desenvolvimento envolver maiores custos em termos de recursos tecnológicos para eles; tanto homens como mulheres conseguiram. Houve jogos com diversos temas, muitos de caráter educativo, como, por exemplo, "Limpiando mi Ciudad”, em que o jogador precisa recolher o lixo de uma cidade, ou “In-difference”, cujo objetivo é a conscientização sobre o entupimento da rede de esgotos da cidade de La Paz.

Que papel desempenham as professoras universitárias na área das tecnologias da informação e no desenvolvimento da tecnologia de jogos digitais na Bolívia e na América Latina?

Não gostaria de dizer só as professoras, mas ambos, porque, a meu ver, são as pessoas que poderiam dar abertura a esse tipo de área de desenvolvimento. Ou seja, dar a motivação necessária para que isso vá se desenvolvendo a partir das universidades.

Na experiência que mencionei na primeira pergunta, a disciplina é dada em três vias paralelas e foi em coordenação que decidimos abordar esse tema. Os três professores participaram.

Por outro lado, também cabe mencionar que no curso existe um grupo de estudos formado apenas por estudantes, que se dedica ao desenvolvimento de jogos digitais e no qual um dos papéis de liderança é ocupado justamente por uma estudante mulher.

Que dificuldade as mulheres enfrentam para obter treinamento e se profissionalizar na indústria dos jogos digitais?

Embora exista uma disparidade quanto ao número de profissionais, isso está mudando. Parece-me que o número de mulheres que se dedica a essa área vem aumentando, e esse é o desafio. Os gamers também vão evoluindo, ou seja, as gerações vão mudando. Com isso, me refiro ao fato de a mulher desenvolvedora de jogos digitais e mesmo os gamers pertencerem agora à geração dos millennials, que veem o mundo a partir de outra perspectiva.

Quando as mulheres se formam na área de jogos digitais, conseguem vagas no mercado de trabalho?

O número de empresas que se dedicam a essa área não é muito grande, talvez o caminho seja criar suas próprias empresas de desenvolvimento de jogos digitais e, assim, não depender mais de um empregador para ter trabalho. O desafio também será encontrar mercados e fazer o marketing para seus produtos tendo por base modelos de negócio inovadores.

As mulheres que já estão na indústria são vítimas de machismo ou de outros tipos de discriminação na América Latina e na Bolívia? Como é a situação nos departamentos da universidade, onde a maioria dos professores são homens?

A porcentagem de estudantes e professoras do sexo feminino é menor. Isso nos mostra que, apesar de certa feminização, tanto no mundo acadêmico quanto no profissional: o poder ainda está nas mãos dos homens.

Pode-se observar que, na maioria dos jogos digitais, os personagens femininos são estereótipos de personagens atraentes e sexys, ou personagens frágeis, ou nem mesmo podem ser selecionados para jogar. Acha que no futuro, quando tivermos novas gerações de mulheres graduadas e capacitadas a trabalhar na indústria de jogos digitais, o panorama atual mudará?

Acredito que já está mudando, porque, se é verdade que as mulheres são apresentadas a partir desse ponto de vista, nos últimos tempos encontramos mulheres como personagens principais de games. Posso citar, por exemplo, Lara Croft de Tomb Raider, e Jill Valentine, de Resident Evil, sobre quem foram feitos até filmes, e creio que representam mulheres fortes, inteligentes e independentes, ou seja, já não é o personagem masculino que protege e defende o “sexo frágil”, mas, pelo contrário, é a mulher.

Por outro lado, não se deve esquecer que o desenvolvimento de jogos digitais também é importante para a educação e a conscientização em certas áreas, como, por exemplo, a saúde, a preservação do meio ambiente, a difusão da cultura etc.

O que quero dizer é que é possível conscientizar através dos jogos, é possível educar através dos jogos e é possível incentivar a leitura através, por exemplo, dos livro-jogos.

O que se poderia fazer visando à equidade de gênero na indústria de jogos digitais? Qual o papel e a responsabilidade da universidade nessa mudança?

Creio que é possível mudar a cultura dos jogos digitais se ela for direcionada justamente para as áreas que mencionei, que seriam a educação, a conscientização e a cultura. Não podemos esquecer que, ao fazer o design de um jogo digital, estamos criando todo um mundo. Além disso, não se deve esquecer quem está fazendo e para quem está sendo feito o design. As gerações estão mudando, e as últimas gerações já nasceram com a tecnologia. Parece-me que o papel e a responsabilidade da universidade nessa mudança é orientar o processo de desenvolvimento dessa área.

Brígida Carvajal Blanco é licenciada em Informática e formada em Organização e Administração Pedagógica da aula. Trabalha na Universidade Maior de San Andrés, no departamento de Informática. Tem as seguintes publicações: "Apropiación Social del Internet”, na Revista do Instituto de Pesquisas em Informática e “Humanities Computing: Iniciativas Digitales en Humanidades”, na Revista do Instituto de Pesquisas em Informática.

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