Leandro Machado e José Salvador

(Im)pressões corpóreas

por Izis Abreu

A arte impressa possui longa tradição como meio de expressão e produção de sentidos. Mas em um mundo cada vez mais dominado pelo uso da imagem, como manter viva a tradição e ao mesmo tempo explorar novas visualidades? O Concurso de Arte Impressa promovido pelo Goethe-Institut de Porto Alegre/RS se propõe a tensionar o campo neste sentido. Leandro Machado e José Luís Salvador estão entre os quatro artistas selecionados para sua quinta edição, suas poéticas expandem os horizontes da arte gráfica a partir de investigações singulares e autorais, mas que se interseccionam em alguns pontos. 

Salvador fala em primeira pessoa, porém não de uma perspectiva individual, ele produz suas narrativas visuais do ponto de vista da experiência compartilhada por indivíduos negros da diáspora, resultante do lugar social que ocupam em relação à matriz de poder. O corpo negro ocupa espaço central em seus trabalhos, pois é nele, no corpo (negro, feminino, LGBTQIA+) que se imprimem as disputas de poder. São estes corpos, marcados pela alteridade, que dão materialidade à dominação sistêmica. A violência física ou simbólica gerada na tentativa de moldar esses corpos, para então controlá-los, deixa marcas profundas, difíceis de apagar.

O artista, ao utilizar resíduos de embalagens de variados produtos que colhe nas ruas da cidade de Rio Grande/RS para imprimir suas matrizes, desconstrói o formato tridimensional da embalagem de papel devolvendo-lhe sua forma original. Neste processo, ficam os vincos gerados pela pressão aplicada para moldar o papel na forma desejada. O resultado da transposição da imagem para essa nova superfície é uma plasticidade fragmentada. Ainda que a resiliência seja algo positivo, as marcas da violência sempre estarão presentes.
 

José Salvador – Sem título (2020). Colagem, impressão em relevo, aquarela/embalagens reutilizadas de vários produtos. José Salvador – Sem título (2020). Colagem, impressão em relevo, aquarela/embalagens reutilizadas de vários produtos.


Leandro Machado utiliza as ruas de Porto Alegre como matriz para os impressos das séries Perpétuo (2018) e E o que depender de mim, fique à vontade (2020). Sua pesquisa traz elementos para pensarmos o tempo e o espaço físico da cidade, os modos pelos quais sua paisagem vai ganhando novos contornos, seja por imposição da natureza ou por interferência do homem. Mas, além disto, suscita reflexões sobre a relação espaço/subjetividade.

O espaço público é um local de encontro das subjetividades, propiciado pela corporalidade, por meio da qual se realizam as interações sociais cotidianas. As ruas da cidade constitui-se então como lugares de memória, onde ocorrem encontros com a alteridade, vivências afetivas e manifestações do sensível, mas também onde emergem tensões, violência e disputas de poder.
 

Leandro Machado - E o que depender de mim fique a vontade (2020) Gravura / Tinta tipográfica sobre papel para escrita japonesa  Leandro Machado - E o que depender de mim fique a vontade (2020) Gravura / Tinta tipográfica sobre papel para escrita japonesa


No processo de percorrer caminhos que fazem parte do seu cotidiano, escolher a superfície a ser impressa, e no gesto mesmo de frotar, Leandro está na verdade colhendo memórias (que também são suas). No acúmulo de números coletados o artista concebe uma poética do espaço, reproduzindo visualmente trânsitos invisíveis dos corpos que por ali passaram. Nesse fluxo errante de intervenção, apropriação e subjetivação ele próprio é atravessado pelas infinitas acepções propiciadas pela interação espaço/sujeito.

A unificação entre arte e vida, bem como a centralidade do corpo são referenciais importantes que aproximam os trabalhos de Leandro e Salvador. Ambos nos fornecem recursos para pensarmos criticamente sobre como o contato com o Outro em sua mais radical outridade pode produzir efeitos distintos a depender do locus social que cada sujeito ocupa no interior de uma estrutura de poder.
  ​​​​​​​ Sobre o Concurso de Arte Impressa 

O Concurso de Arte Impressa do Goethe-Institut Porto Alegre fomenta as manifestações de artistas contemporâneos no âmbito da gravura - campo de forte tradição no Rio Grande do Sul e na Alemanha. Em 2020, o Concurso privilegiou produções emergentes que exploram a arte impressa em um campo ampliado através de diálogos com outras linguagens.   

Nesta edição, impactada pelos efeitos da covid19, o Instituto e as curadoras Mel Ferrari e Izis Abreu apresentam uma série de conteúdos online em uma página especial sobre os 4 artistas selecionados - Leandro Machado, José Salvador, Bya de Paula e Guilherme Robaski
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