Reinventando SMETAK
Salvador

Entrevista Marco Antônio Guimarães

Marco Antonio Guimaraes 2 ©Leandro César
“Minha convivência com Smetak deu origem ao Uakti”
 
Se fosse apresentar Smetak às novas gerações, o músico mineiro Marco Antônio Guimarães falaria, antes de tudo, da “simplicidade genuína e da personalidade fascinante e admirável” de seu professor nos Seminários da antiga Universidade da Bahia, nos anos 1960. Só então ele se debruçaria sobre a obra que considera magnífica e que o inspirou a criar o grupo Uakti. Reconhecido internacionalmente, o Uakti foi, por 38 anos, um dos mais originais representantes da música no Brasil, com um trabalho todo feito a partir de instrumentos que Marco Antônio construiu tendo em Smetak uma de suas principais referências.
 
Qual você considera o seu maior aprendizado como aluno de Smetak nos Seminários Internacionais de Música da Universidade da Bahia?
Durante os quatro anos que estudei nos Seminários, frequentei quase diariamente a oficina de Smetak no porão da Escola. Creio que ele percebeu um grande interesse meu em relação ao seu trabalho e conversava muito comigo sobre diversos assuntos, tanto musicais quanto de sentido esotérico. Eu estava em Salvador para estudar regência e um instrumento de orquestra. Acabei me interessando mais por composição, por influência do Grupo de Compositores da Bahia e de Ernest Widmer [compositor, regente, pianista e suíço-brasileiro, viveu entre 1927-1990 e foi professor dos Seminários da antiga Universidade da Bahia, atual UFBA]. Estudei violoncelo, por coincidência o instrumento que Smetak tocava, e minha convivência com ele (eu não poderia saber na época) fez com que, depois de retornar a Belo Horizonte, eu iniciasse a criação e a construção de instrumentos – o que, mais tarde, deu origem ao grupo Uakti.
 
O que Smetak achou do Uakti?
Lamentavelmente, para mim, ele não chegou a conhecer. Quando ele veio participar, no início dos anos 70, do Festival de Inverno de Ouro Preto, cidade que fica a 100 km de Belo Horizonte, fui até lá com um instrumento que estava começando a construir, de cordas e arco, para mostrar a ele. Smetak sugeriu que eu fizesse três aberturas na cabaça que servia como caixa de ressonância. Este instrumento, que chamei de “Chori Smetano” em homenagem a ele e uma referência à série de instrumentos que ele criou, os “Choris”, acabou tendo uma função solista predominante no repertório do Uakti.
 
Que lugar você acha que Smetak teria em nossa sociedade atual, de redes sociais, de tantas urgências e nem sempre de espaço ou tempo para reflexões sobre a arte ou mesmo para escutar o silêncio?
Talvez ele não se sentisse muito confortável com isso, mas por ser um artista sempre além de sua época, com uma visão profunda e peculiar sobre o “fazer música”, pode ser que já estivesse pensando além de toda essa obsessão tecnológica de hoje.
 
Se você fosse apresentar Smetak a uma nova geração de músicos ou mesmo para o público em geral, o que diria sobre este artista?
Provavelmente eu começaria falando sobre a pessoa, antes do grande artista que foi. Sua simplicidade genuína, sua profunda sinceridade ao falar sobre qualquer assunto, sua personalidade fascinante e admirável. Sempre me lembrarei dele por essas virtudes. Depois, bastaria apresentar seu magnífico trabalho que, como aconteceu comigo nos anos 60, certamente encantaria qualquer músico sensível.
 
O que você acha deste projeto do Ensemble Modern e DAAD, de incentivar que compositores contemporâneos criem peças tendo o trabalho de Smetak como referência?
Acompanhei pelas redes sociais o magnífico trabalho de criação das réplicas dos instrumentos a serem utilizados pelo Ensemble Modern, feito pelo luthier Vergílio Lima. As réplicas ficaram impecáveis. Tive o privilégio de tocar vários dos instrumentos originais durante o tempo em que estudei em Salvador em concertos com repertório criado por Ernest Widmer e outros do Grupo de Compositores da Bahia para orquestra sinfônica e instrumentos de Smetak. Poderia citar, de memória, “A Montanha Mágica”, de Milton Gomes, e “Rumo Sol”, de Ernest Widmer. Alegra-me a ideia de encomendar a compositores atuais a criação de peças para os geniais instrumentos do grande artista que foi Walter Smetak – pessoa por quem tenho grande respeito e sincera afeição.