Séries televisivas de qualidade são consideradas um dos formatos narrativos mais interessantes da atualidade. As produções norte-americanas continuam a liderar nesta área, mas existem entretanto também muitas estações de televisão europeias que investem nesse género. Até agora, a Alemanha não tem conseguido acompanhar a evolução, mas isso está prestes a mudar.
De Klaus Lüber
Por todo o mundo, a televisão está a reinventar-se. Mas na Alemanha ainda não. É assim que podemos resumir, em poucas palavras, uma discussão que existe há muito tempo entre espetadores, críticos de televisão, jornalistas e diretores dos canais de televisão na Alemanha. O ponto de discórdia são as chamadas séries de qualidade ou série high end. As características principais destas séries são uma produção opulenta equiparável à cinematográfica, atores de primeira qualidade, tramas complexas e arcos narrativos que se desenvolvem ao longo dos todos os episódios, também denominados por narrativa "horizontal".
Produções norte-americanas como Breaking Bad, Mad Men ou Homeland foram, durante muito tempo, exemplos-modelo deste formato. Mas, aos poucos, muitas cadeias de televisão europeias investiram na produção de séries de qualidade. A televisão alemã, pelo contrário, teve alguma dificuldade a adaptar-se: enquanto aumentava o número de espetadores da classe média que consumia entusiasticamente séries estrangeiras de qualidade, os canais alemães mostravam muito pouco interesse em investir nesse formato.
Público, jornalistas e criativos responsabilizam os canais de televisão alemães pela situação atual, em especial os canais públicos ARD e ZDF. A crítica foca-se no facto de, em vez de se apostar na qualidade, se dar mais importância em agradar às audiências, porque apenas aquelas que têm mais audiência é que são consideradas casos de sucesso. Dado que, na Alemanha, existe uma taxa televisiva obrigatória que financia as estações ARD e ZDF, as audiências não deveriam ser um fator decisivo. Já os canais privados alemães, que não beneficiam desta taxa, têm de procurar outros financiamentos através de publicidade e por isso produzem para um público de massas.
Mas afinal, quais são os critérios que definem uma "série de qualidade"? "Para mim, a série de qualidade é mais uma expressão de luta do que uma categoria a ser legitimada cientificamente", diz-nos Dietrich Leder, professor de Documentários, Formas Ficcionais e Entretenimento na Escola Superior de Meios de Comunicação de Colónia. "Nesta altura confrontamo-nos com a situação em que a qualidade é definida em primeiro lugar pelo interesse demonstrado pelo espetador." Esta, no entanto, é apenas uma de muitas outras características. Um colega de Leder, Lothar Mirkos, professor de Ciência da Televisão na Universidade de Cinema de Babelsberg, descreve-o da seguinte forma: "Os canais alemães produzem uma grande quantidade de séries de sucesso para todos os públicos-alvo possíveis: reality shows, comédias tradicionais ou clássicos policiais como o Tatort. Também é preciso ter isto em consideração."
Esta é também a posição da televisão pública, que continua a negar qualquer acusação de falta de qualidade. Se fossem produzidos programas de nicho específicos para um público pequeno e exigente, seriamos logo confrontados com uma outra discussão, disse Volker Herres, diretor da ARD, à revista brandeins: o porquê de todos os cidadãos terem de contribuir para este sistema, se "uma grande parte da população nem sequer tira proveito disso?"
novas séries de qualidade ALEMÃS
Apesar de tudo, está a tornar-se cada vez mais interessante para os canais alemães arriscar em produções de grande dimensão para um público de nicho exigente, o que até agora tinha sido evitado. "Entretanto grande parte dos maiores canais alemães estão a investir em séries de qualidade", diz-nos Timo Gößler, responsável pelas cadeiras Serial Writing e Producing na Universidade de Cinema de Babelsberg. Um primeiro sinal foi dado pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim de 2015. A Alemanha estreou Deutschland 83, uma série policial com oito episódios, sobre um espião da RDA na Alemanha Federal da Guerra Fria, que foi a primeira série alemã de sempre a ser comprada por um canal televisivo norte-americano. O New York Times fez um enorme elogio à série, chegando inclusivamente a compará-la a House of Cards.
Deutschland 83 foi transmitida pelo canal privado RTL no verão de 2015. Em Janeiro de 2016 a ZDF transmitiu a série Morgen hör ich auf, uma história de um pai desesperado que se transforma em falsificador de dinheiro e que foi divulgada como a Breaking Bad alemã. Em janeiro de 2016 também foi transmitido no canal ARD a série dramática e política Die Stadt und die Macht, que foi comparada a House of Cards. Especialmente promissora é considerada a série Berlin Babylon, uma produção conjunta da ARD e do canal de cabo Sky, que deverá ser transmitida em 2017. A série, realizada por Tom Tykwer, debruça-se sobre casos policiais na Berlim dos anos 1920.
Televisão Não-Linear
Quais são as razões para esta ofensiva de novas séries dos canais alemães? "Por um lado, trata-se da tentativa de ganhar mercado internacional, por outro, é literalmente de grande importância para o futuro da televisão" diz-nos Tim Gößler. Falamos de um estilo de televisão sem dependência temporal e não-linear, que ganhou especial relevo através do consumo de séries de grande qualidade. Em vez dos espetadores esperarem por uma determinada hora de transmissão, o consumo dos episódios com narrativa horizontal é feito continuamente, um a seguir ao outro, pelo que muitas vezes se vê uma temporada num único fim de semana. Até há pouco tempo os suportes preferidos ainda eram o DVD ou Blu-ray, mas entretanto há cada vez mais pessoas a optarem pelos serviços de streaming da internet, por mediatecas dos próprios canais ou por serviços comerciais como o Netflix, que desde 2014 também se encontra disponível para o público alemão.
O que significa isto para as produções alemãs atuais? "Será decisivo perceber se os canais conseguem deixar de lado a forma de pensar clássica, em que as audiências ditam tudo, abrindo-se assim a novos formatos e estratégias", diz-nos Timo Gößler. "É um processo de aprendizagem difícil, especialmente para os canais de televisão." Na altura da transmissão da série Deutschland 83, quando na televisão alemã não foram atingidas nem aproximadamente as audiências esperadas, o produtor perguntava no facebook: "O que correu mal?" "A série era boa", responderam muitos, "mas para a ver, quem é que ainda liga a televisão?"
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