Movimentos de protesto
Mais do que indignação

A democracia vive do debate e do protesto e constitui uma ferramenta importante de participação pública. No entanto, como é que surge o protesto e quando é que dos desacordos de alguns nasce uma mobilização em massa?
De Elias Steinhilper e Moritz Sommer
O protesto carece de uma conjuntura. Quer esta se chame Fridays for Future, Black Lives Matter ou apenas Querdenken[1] o certo é que num passado recente, de tempos a tempos, dezenas de milhar de pessoas se têm manifestado nas ruas alemãs. Quer aquilo que se exija sejam mudanças na sociedade ou a manutenção do status quo, as democracias resultam precisamente desse conflito entre diferentes posições, não sendo pois por acaso que o direito a manifestar-se se encontra consagrado no Artigo 8º da Lei Fundamental.
Neste país, o protesto é considerado um meio comum e predominantemente legítimo para articular os seus próprios interesses. É tido como uma expressão de participação política e social – uma forma de expressão direta da sua própria opinião fora do âmbito das eleições ou da colaboração participativa em agremiações partidárias. Não contando com a ocorrência isolada de grandes manifestações de massas, quase todos os dias há manifestações na Alemanha sobre uma ou outra questão. Contudo, o protesto nem sempre é dirigido a objetivos progressistas, como resulta do exemplo do movimento Querdenken; por vezes chega mesmo a ser dirigido contra os fundamentos liberal-democráticos da ordem constitucional. Então, quando surge afinal o protesto? E que condições levam a que, partindo da indignação e do desacordo de alguns indivíduos, se gerem mobilizações em massa?
Revoltar-se contra problemas causados pelos seres humanos
Sobretudo para se conseguir realizar protestos em grande escala, é necessário um trabalho complexo de organização e mobilização: os potenciais participantes têm de ser informados e há que convencê-los a investir o seu tempo e energia. Na investigação sobre estes fenómenos foram identificados pelo menos quatro fatores que explicam o surgimento de um protesto, bem com o respetivo crescimento, até se transformar num evento de massas ou mesmo até se materializar num movimento social.
Em primeiro lugar, o ponto de partida do protesto é sempre uma situação problemática, o que depende de uma perceção subjetiva mas que, no entanto, dispõe geralmente de um fundamento em parte objetivo. Se essa perceção do problema for partilhada por muitas pessoas e se estas tiverem a sensação de que alguma coisa pode e deve ser mudada a esse respeito, aumenta bastante a probabilidade de, a partir daí, vir a surgir um protesto ou um movimento de protesto. Os temas desses protestos podem ser tão diversos quanto os próprios conflitos que surgem no seio de uma sociedade: os mais recentes protestos que na Alemanha foram realizados em grande escala exigiram uma mudança de política face ao agravamento da crise climática (Fridays for Future), foram dirigidos contra a violência racista e a discriminação (Black Lives Matter), ou contra as medidas restritivas para conter a pandemia da COVID-19 (Querdenken). Apesar de todas as diferenças, o que estes protestos têm em comum é que os iniciadores acharam que não eram os únicos a ter essa perceção da situação, bem como a noção de que todos os problemas subjacentes não eram fruto do destino, mas sim causados pelo homem.

Que mais é necessário? Comunicação e oportunidades favoráveis
Além disso, a avaliação e interpretação do problema desempenham um papel importante na fundamentação do protesto e no apelo à participação (framing ou «enquadramento»), bem como na sua comunicação estratégica. Um exemplo de um framing capaz de gerar ressonância é a interpretação das alterações climáticas como um «problema geracional», graças ao qual o movimento Fridays for Future conseguiu despertar o interesse de muitos jovens por todo o mundo.Por último, os protestos estão sempre inseridos em circunstâncias sociais que lhes servem de moldura, que proporcionam oportunidades para tais ações de protesto. Quer se trate de decisões políticas concretas ou de eventos importantes, tais como a reunião dos Estados do G20, qualquer destes exemplos é com frequência uma ocasião favorável para se gerar visibilidade para uma dada causa. Para além destas «oportunidades políticas», existem «oportunidades discursivas»: trata-se de momentos em que as posições defendidas pelos principais atores de protesto são bastante suscetíveis de gerar adesão – por exemplo, devido ao facto de nesse momento em particular terem uma presença frequente em debates sociais ou mediáticos, gozando já de aprovação junto de uma parte da população. Nesse caso, pode tirar-se partido desse espaço de ressonância pública para melhor veicular os assuntos em questão.
A educação e o bem-estar promovem a disposição para protestar
Em resumo: os temas que são capazes de despertar o interesse e mover muitas pessoas permitem uma maior mobilização. Os organizadores que forem capazes de se socorrer do apoio de diferentes iniciativas, de mobilizar as redes existentes, bem como de dispor de experiência em comunicação estratégica têm uma maior probabilidade de iniciar protestos em massa.
Acresce ainda, enquanto fator, que também a situação individual dos participantes influencia a sua probabilidade de se virem a juntar a movimentos de protesto. Inquéritos recentes realizados junto de movimentos como Fridays for Future e Querdenken, entre outros, sugerem que hoje em dia são sobretudo os segmentos da população mais instruídos e com melhor situação económica que tendem, numa maior proporção, a participar em protestos em grande escala.