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Visões do futuro
No Matrix

O que é real, o que é o Matrix?
Foto (detalhe): © picture alliance/AP/Warner Bros.

Da utopia à distopia. Olhar para o futuro e brincar com a pergunta "O que seria, se...?" é e continua a ser um favorito constante no cinema – no bom e no mau sentido.

De Georg Seeßlen

Quando se trata de visões do futuro, no cinema e na literatura, encontramo-nos normalmente no género da ficção científica. Este género esboça projeções futuras - com uma orientação de índole científico-técnica, às vezes mais, às vezes menos marcada, mas que têm uma clara referência à realidade. Em regra, são construções muito pictóricas que apontam tanto para o presente como para o futuro.

Críticas ao presente vindas do futuro

Por um lado, as previsões sobre o futuro podem, evidentemente, ser vistas como simples extrapolações. Ou seja, no futuro iria existir uma tecnologia, cuja existência está atualmente a ser pensada por nós. Ao mesmo tempo, os problemas sociais, que hoje só podemos adivinhar, iriam surgir a partir dessa tecnologia. Ou será o caso contrário: os problemas sociais e políticos ter-se-ão tornado tão agudos no futuro que só se poderá resolver através um salto tecnológico evolutivo – as viagens espaciais contra a superpopulação, por exemplo, ou o robô polícia contra o aumento insuportável da criminalidade de rua.

Por outro lado, as visões do futuro também podem ser um jogo lógico que segue o princípio "O que seria, se...". Assim, o que seria, só por exemplo, se no futuro todos os trabalhos simples fossem feitos por máquinas mais ou menos pensadoras, mais ou menos autónomas em vez de humanos? Tal poderia significar inclusivamente uma substituição total, que teria crises emocionais correspondentes, como se pode ver no filme de Maria Schrader Im Your Man, lançado em 2021. E o que seria, se a humanidade do futuro ultrapassasse os seus conflitos nacionais e culturais e concentrasse as suas energias intelectuais e organizacionais, tornando possível uma nova viagem para o espaço? Foi esta a posição de partida da pequena onda de filmes de ficção científica que surgiu na RDA nos anos sessenta e setenta. Assim, enquanto que no primeiro caso as possibilidades atuais continuam a ser perseguidas, no segundo caso há pouca preocupação com a viabilidade (viagens no tempo, voos espaciais acima da velocidade da luz, teletransportes). Aí, a narrativa torna-se numa espécie de exercício mental. Como, por exemplo, no popular jogo com viagens paradoxais no tempo ou no "Beam me up, Scotty", que é o maior salto parabólico possível na narração de histórias.
 
Contudo, ambas as construções referem-se a modelos existentes, a imagens de pessoas, a imagens da sociedade e a códigos morais. A fantasia técnica só se torna material narrativo quando é aplicada a sistemas psicológicos, sociológicos, políticos e estéticos. Um positivista " O que seria, se...?", pode transformar-se num cauteloso "O que acontecerá, se nós agora (não) ...". Assim, em alguns casos, a visão do futuro transforma-se numa crítica do presente a partir da perspetiva do futuro.

Capitalismo, socialismo e autocracia

O futuro capitalista é muito, muito fácil de projetar. Tudo aquilo que é tecnicamente viável, tudo o que é tornado imaginável pelos media e o que promete lucro será realizado. E fica ainda mais emocionante, quando pelo menos um destes critérios não é preenchido. Ou quando, como no filme Welt am Draht de Rainer Werner Fassbinder, o panorama geral das ordens da realidade, simulação e simulação na simulação se perde na própria simulação. Assim, um motivo que emerge recorrentemente nas narrativas de ficção científica é que uma possibilidade técnica - para salvar o mundo, por exemplo - não é utilizada porque não promete lucro. Na Alemanha, num dos primeiros filmes de Roland Emmerich chamado O Princípio da Arca de Noé, de 1984, a catástrofe ecológica que se aproxima cada vez mais de nós, já está representada de tal forma que não pode ser evitada no nosso sistema económico-político atual. Noutras narrativas, a impossibilidade de realização técnica põe em movimento a fantasia da simulação e uma sugestão "Matrix". Como a viagem para o espaço não funcionou realmente, a curiosidade científica vira-se para dentro. A fantasia da explosão é seguida pela da implosão. Porque a realidade material já não rende muito, é abolida a favor de máquinas de sonho e desejo. Muito antes de Arnold Schwarzenegger ter de lutar pela sua vida para gáudio do público, em Running Man, a caça ao homem já tinha sido imaginada na programa da televisão alemã Das Millionenspiel, de Wolfgang Menge, como super-entretenimento num mundo sem esperança. Concretiza-se, na versão cyberpunk do género, o que Rosa Luxemburg uma vez designou de "apropriação interior da terra". Quando o imperialismo atinge os seus limites, lança-se com grande fervor a um dos elementos das pessoas que, para além dos alimentos, da água e do ar, é mais profundo e ainda não foi capitalizado: a colonização capitalista da alma.

É evidente que, não menos fatal, será uma visão socialista ou tecno-autocrática do futuro. Aqui, tudo o que é imprevisível e irracional é suprimido ou mesmo erradicado pela força. Enquanto um sistema ataca tudo o que (ainda) não é capital, o outro sistema ataca tudo o que (ainda) não é trabalho. Em Alphaville, de Jean-Luc Godard, tanto o amor como a poesia fazem parte disto. Na Alemanha, Louis Malle filmou a sua visão apocalíptica de uma luta impiedosa entre homens e mulheres: Lua Negra. Por outro lado, em Juventude Sem Deus, num futuro próximo, a única coisa que conta é a realização, o poder e a carreira. Todos os outros valores e esperanças são desaprovados.

Os limites da humanidade

Existe possivelmente uma grande quantidade de interligações entre os dois extremos da parábola, mas todos eles se encontram na sombra do ensaio de Thomas Robert Malthus, Sobre o Princípio da População, publicado em 1798. Malthus estabelece um primeiro limite para o crescimento da humanidade, dizendo que os recursos da natureza limitam tanto o crescimento económico como o crescimento populacional. Ou então, dito de outra forma: os limites de qualquer civilização devem ser ultrapassados por um salto (uma expansão, que no final só pode ser entendida como uma partida em direção às estrelas), ou poderão significar o fim dessa civilização, quando essas energias são devolvidas destrutivamente sobre si próprias. É esta a distopia de todos os filmes sobre o fim dos tempos. Os seres humanos tornaram-se demasiado excessivos para si próprios e, em consequência, voltarão a transformar-se em multidões bárbaras após a sua expansão sem limites. A seguir, têm de encontrar uma nova forma de organização social e valores civilizacionais - baseados em lutas arcaicas como no filme de Lars Kraume, The Coming Days (2010).

É aqui que se encontram a fantasia da ficção científica e a encenação da arte. A ideia de que o nosso futuro é uma "construção" já foi prevista por Fritz Lang, em Metropolis, onde o progresso técnico-económico não só leva a uma guerra civil dos trabalhadores explorados e oprimidos com a pequena elite das classes mais desfavorecidas, mas também a uma decadência dos sentimentos, como se pode ver nas cenas do parque de diversões, que desde há muito se pensavam perdidas. O progresso incondicional conduz sempre a uma crise externa, bem como a uma crise interna. E se simplesmente fossem invertidas as relações entre a base social e económica e a superestrutura artística e "mágica"? No filme Art Girls, de Robert Bramkamp/Susanne Weihrich, a arte começa a desintegrar a realidade estável. O design define a consciência. E uma implosão caótica do design provoca o caos da realidade.

Mais do que o filme de ficção científica anglo-saxónico, com a sua propensão para efeitos e heróis que evitam a catástrofe no último minuto, o género na Alemanha lida com a devastação que se espera dos sujeitos humanos, se prosseguirem com o princípio do progresso na forma iniciada no século XIX que destrói não apenas a sociedade e o ambiente, mas também o espírito humano ou a sua alma. Metropolis ou Welt am Draht, os dois clássicos da ficção científica mais multifacetados da Alemanha, criam o futuro como um espaço ilusório, do qual apenas um ato racional poderá libertar - ou já não. Em grande parte, a história deste género cinematográfico segue o caminho da catástrofe exterior para a catástrofe interior. No entanto, nos filmes de ficção ciêntífica alemães, o prazer de atingir uma catástrofe total como um mega-espetáculo, desempenha um papel menor do que no seu equivalente anglo-saxónico, e não apenas por razões técnicas. Pelo contrário, essa catástrofe está no interior das personagens. Na versão alemã do género, a experiência social do "O que seria, se..." está ligada a questões de identidade e integridade. Nos medos do futuro e nas (poucas) esperanças para o futuro, descobre-se em que medida somos moldados pelo espírito de um idealismo que coloca uma decisão moral contra a imposição dos sistemas. O que aconteceria se perdêssemos a primeira e última instância, na qual ainda se poderia ter esperança? A instância do Eu, que nos prometeu o futuro como algo em transformação e que ataca o presente de forma tão impiedosa?