Sobre pessoas e animais
“Há em nós uma predisposição para manter os animais à distância”
Como estabelecemos distância entre nós e os animais? Até que ponto os jardins zoológicos são instituições hipócritas? O que carateriza o chamado «paradoxo da carne»? Uma entrevista com o filósofo Markus Wild.
De Camilo Jiménez Santofimio
Senhor Wild, tem animais domésticos?
Sim, tenho um cão e dois gatos – além de imensas aranhas que mantêm as melgas à distância e dos muitos pássaros que vivem ao redor da minha casa e que por vezes nela entram. Não diferencio entre animais domésticos e animais selvagens. Estes últimos também vivem em minha casa e não sinto necessidade de enxotá-los.
Normalmente temos mais simpatia por cães e gatos do que por aranhas. Porquê?
Para haver proximidade, há que, do ponto de vista psicológico, existir um parceiro com quem possamos estabelecer comunicação. E uma aranha não é propriamente um interlocutor que se percecione como ser vivo, mas antes como sombra ou ameaça. Coisa bem diferente é ter um cão que olha para nós e presta atenção ao que estamos a fazer. Imaginemos um aquário com peixes. Raramente o peixe é um interlocutor. No entanto, se ali tivermos um polvo, a olhar com atenção para o que fazemos, já consideramos ter ali um interlocutor, um sujeito.
De que outras formas estabelecemos distância em relação aos animais?
Fazemo-lo quando atribuímos ao animal caraterísticas humanas, tais como sentimentos, inteligência e capacidade de planeamento, mas simultaneamente o observamos a partir de uma perspetiva não humana. Na investigação, tal é descrito como «supra-humanização». A sexualidade, a alimentação, a higiene – tudo isso são tarefas quotidianas que atestam um alto grau de civilização quando somos nós a praticá-las. Quando são os animais a executá-las, parecem-nos tudo menos humanas.
Estabelecemos distância também do ponto de vista material, por exemplo, através das vidraças no jardim zoológico. Que diz isso a respeito da proximidade e da distância em relação aos animais?
O jardim zoológico é, desde o início, uma questão civilizacional. Os primeiros jardins zoológicos resultaram de encenações políticas por parte de soberanos. O rei francês, por exemplo, construiu um zoo para mostrar quais as partes do mundo que dominava. Já naquela época o zoo era um instrumento de dominação que demonstrava o poder dos humanos sobre os animais. O desenvolvimento posterior dos jardins zoológicos tentou afastar-se dessa demonstração de poder tão evidente. As jaulas desaparecem e tentamos fazer com que o local pareça cada vez mais natural. É paradoxal o facto de a demonstração de poder não ter desaparecido.
Porquê?
No jardim zoológico, demonstramos atualmente o nosso poder sobre a natureza como um todo. Quanto mais natural um zoo parece, mais damos provas de que ampliámos a nossa dominação sobre o planeta. E isso implica sempre, e ao mesmo tempo, tanto proximidade quanto distância. O importante é o que eu decido. Não importa o que possa interessar aos animais. É uma estrutura de poder absoluta, com uma caraterística ainda mais pérfida, pois nem sequer ao menos é transparente; apresenta-se como o oposto do que na verdade é, ou seja, como se fosse uma ajuda aos animais.
Ainda assim, no jardim zoológico aproximamo-nos de muitas espécies de animais. É possível sentir empatia por eles, apesar das vidraças ou das cercas?
Sim, é possível. Mas será que essa empatia é duradoura? No caso da empatia, há que prestar atenção, pois esta tem um lado sombrio. Sinto sobretudo empatia com aquelas pessoas que são parecidas comigo ou estão próximas de mim. A empatia é seletiva, sendo, portanto, problemática como postura moral. É-o também em relação aos animais, pois permite uma distinção entre animais simpáticos e não simpáticos. Mesmo que o jardim zoológico fosse muito eficaz a produzir empatia, ainda assim isso não significaria que este era capaz de elevar a nossa relação com os animais a um nível melhor.
A compaixão é melhor, enquanto fundamento moral?
Sim, sobretudo se não se entender a compaixão apenas como um mero sentimento, mas também como uma abordagem recomendável para determinadas situações. O problema em relação aos animais é que as pessoas já sentem compaixão. Excetuando pessoas muito impiedosas, ninguém pode deixar de sentir um mínimo de compaixão ao ver imagens de grandes quantidades de porcos a ser transportados, quando os animais, já absolutamente exaustos, quase estão a morrer. Sentimos compaixão, mas também aprendemos a lidar com esse sentimento. Na investigação chama-se a isso o «paradoxo da carne»: por um lado, a maioria das pessoas come carne; por outro, somos estritamente contra a prática da crueldade contra os animais. A compaixão é importante para a nossa proximidade em relação a eles, no entanto já está tão impregnada nos nossos hábitos que muitas vezes não tem qualquer impacto moral.
Na Alemanha, assim que tem de ir para a mesa de jantar, a vaca passa a ser chamada «Rind» (bovino). Qual o papel que a linguagem desempenha nesse nosso distanciamento em relação aos animais?
Há muitos fatores em jogo. Há em nós uma predisposição biológica para manter os animais à distância, porque os avaliamos como sendo um perigo. E dispomos de um mecanismo psicológico que nos possibilita viver com as contradições geradas pelo paradoxo da carne. Depois vêm os fatores da cultura e da língua. O facto de comermos animais encontra-se culturalmente codificado, pelo que consideramos o seu abate normal, até mesmo necessário à sobrevivência. É relevante que a maioria das designações de animais no fundo designem funções. Se perguntarmos a um suinicultor suíço o que é um porco, ele dirá: «É um animal que existe para com ele produzirmos presunto». Ao colocarmos os animais numa categoria assim, estamos a distanciar-nos deles. Tornam-se meios para atingir um fim, deixam de ser entidades independentes.
Como avalia a atual legislação no que diz respeito ao modo como lidamos com os animais?
Nenhum país — nem mesmo os mais progressistas, como é o caso da Alemanha, Áustria ou Suíça — possui leis nas quais os animais sejam reconhecidos como sujeitos jurídicos. Esse reconhecimento significaria que os animais teriam direitos fundamentais a ser respeitados, como o direito à integridade física e psicológica. Deixariam de poder ser utilizados, de poder ser comprados. Seria uma transformação fundamental na nossa relação com os animais.
Pratica atualmente uma alimentação vegana. O que o levou a tomar essa opção?
Há dez anos, li os clássicos da ética animal, a fim de decidir se continuaria a comer carne ou não. É evidente que comer carne de animais não é moralmente defensável nem racional. O argumento que me convenceu foi: os animais são seres com sensações e que possuem interesses. Não há qualquer razão para colocar o meu interesse em comer um escalope acima do interesse do porco em levar uma vida razoavelmente decente. Foi então que percebi que não me poderia ficar pelo consumo de carne. A forma como os derivados do leite e os ovos são produzidos também não corresponde de modo algum aos interesses dos animais. Face a isso, tornar-me vegano foi um ato de simples coerência.
Alcançou essa decisão pela via racional, como filósofo. O que recomendaria a quem não se dedica à filosofia?
A ética animal é justamente um bom exemplo de como as ideias filosóficas, de início isoladas, podem pouco a pouco alcançar o grande público. Quando converso com pessoas que não estão ligadas à filosofia, a maioria delas já ouviu argumentos em prol do vegetarianismo. Contudo, aconselho também as pessoas a conhecerem quem opta por outro tipo de vida. É frequente fazerem-me perguntas muito concretas: «Como é que cozinhas isso? Onde fazes compras? Não sentes falta de muita coisa?» Igualmente importante é também ter mais contacto com animais e aprender mais acerca deles.