Cultura alemã Em deambulação

Será que também já deste alguma vez por eles? Chapéu preto, colete, calças à boca de sino – jovens com esta indumentária voltaram a ser cada vez mais vistos nos últimos anos na Alemanha, nas cidades e nos acessos às autoestradas. E será que também te interrogaste quem são estas pessoas que vivem em liberdade, vestidas de forma chique e tradicional, mas aparentemente sem lar?

De Nastasia Herold

Em deambulação Foto: Goethe-Institut / Teresa Laranjeiro
Enquanto criança sempre pensei que estes homens jovens assim trajados eram limpa-chaminés. Hoje sei a verdade: são artesãos de diferentes corporações, que terminaram a sua aprendizagem e deambulam agora para aprender com outros mestres. Na Alemanha esta tradição já tem cerca de 800 anos e no passado era mesmo condição de admissão ao exame de mestre. Mas o que fazem exatamente estes jovens durante a sua deambulação? Porque o fazem? Durante muito tempo isso foi para mim um mistério. Há alguns anos conheci então um destes aprendizes deambulantes – finalmente uma oportunidade para saciar a minha curiosidade –, mas só obtive respostas para as perguntas óbvias, muita coisa permaneceu oculta para mim.

Isto foi o que consegui descobrir:

Esta deambulação de aprendizagem – conhecida na Alemanha por walz, wanderschaft ou tippelei – dura três anos e um dia. Os aprendizes e, hoje em dia, também as aprendizas, só podem começar a deambulação se não se encontrarem endividados, forem solteiros, sem filhos e não tiverem mais de 30 anos. No período da deambulação não podem aproximar-se mais de 50 quilómetros da sua terra natal, a não ser que existam razões sérias, como um falecimento na família mais próxima. As regras exatas variam de schacht para schacht e, hoje em dia, existe até a possibilidade de ir em deambulação sem pertencer a um schacht.

Tradições e honorabilidade

Quem se decidir por uma deambulação, recebe o traje acima mencionado, um cajado arqueado e um pano – o chamado charlottenburger – para guardar os seus haveres. Além disso, um irmão de deambulação faz-lhe um furo na orelha, onde é então enfiado um brinco. – Ui! Todos os componentes do equipamento possuem, ou um significado simbólico, ou permaneceram como tradição. Durante toda a deambulação – sobretudo nas oficinas e nos albergues –, os aprendizes têm sempre a preocupação de se manterem honrados e honestos. Isto é importante para que os irmãos e as irmãs que a eles se juntam sejam tão bem tratados como eles próprios.

Para preservar a independência desta tradição de aprendizagem e a defender do intercâmbio cultural, na maior parte dos schächten é proibido levar telemóveis para a deambulação. A desaceleração é, assim, uma parte essencial de toda a deambulação. Para a maior parte das pessoas, a ideia de muitas vezes não saber onde se vai dormir na noite seguinte ou em que carro se entra ao andar à boleia é demasiado aventurosa. No entanto, quase todos os aprendizes veem precisamente essa situação, em conjunto com o seu desenvolvimento profissional, como a melhor parte da deambulação: viver um dia a seguir ao outro, passar tempo consigo próprio e fazer o que se deseja.

No final da Idade Média, os aprendizes deambulantes ainda constituíam o maior grupo de viajantes, à frente dos comerciantes, dos nobres e dos académicos. E este costume nem sequer é puramente alemão: ainda que, comparativamente, a Alemanha seja o país com mais aprendizes em deambulação, esta tradição também existe em alguns outros países, por exemplo, em França.

Não importa com quem falei ou que entrevistas visionei – compreendi que os aprendizes e as aprendizas só nos dizem aquilo que podemos saber. Muito do que é o códex e o conhecimento dos jovens em deambulação continua oculto, e só aqueles que se atreverem a partir nesta aventura o virão a saber.

Mas, de alguma forma, é bom que assim seja.