Reinventando SMETAK
Salvador

Entrevista Liza Lim

Liza Lim ©Jörg Baumann
“Smetak nos revigora com a visão de que instrumentos musicais contêm poderes cósmicos”
 
Para a compositora australiana Liza Lim, compreender o velho bruxo significou uma imersão circular em Salvador, nas rodas de capoeira e nos rituais do candomblé. O resultado é peça “Ronda – O Mundo em Rotação”, na qual ela nos apresenta o poder simbólico captado das plásticas sonoras.
 
Em sua peça, você conectou a harmonia de círculos dentro de círculos do trabalho de Smetak a uma poética brasileira de som e movimento. Pode nos explicar melhor essa conexão?
O improvisatório “círculo vivo” da roda de capoeira e o poderoso dínamo rotativo do círculo de dançarinos no ritual de candomblé que eu testemunhei no terreiro de Nilza Maria da Silva Rodrigues realmente me impressionaram. Smetak fala sobre a forma dos instrumentos, como Três Sóis, por exemplo, como se fosse o Sol que harmoniza com os nossos sóis internos ou com os centros de energia no corpo. Seu trabalho na construção de instrumentos musicais é, portanto, muito sobre a criação de “máquinas” rituais ou simbólicas, como a capoeira e o candomblé, que conectam humanos com uma energia universal circulante.
 
Como foi o seu processo de pesquisa em Salvador? Você já tinha rascunhado algo antes de chegar aqui ou decidiu o que ia fazer quando entrou em contato direto com o universo smetakiano?
Eu tive o privilégio de trabalhar diretamente com os instrumentos originais que ficam no Centro Cultural Solar Ferrão, onde passei meu tempo experimentando e documentando diferentes sons. Eu cheguei sem concepções prévias e deixei o contato com os instrumentos e minhas experiências com o que via e escutava em Salvador irem me guiando e moldando meu trabalho. Descobri que o mundo do museu não era um lugar separado da vida da cidade – em todas as gravações que fiz, é possível ouvir o batuque e toda a paisagem sonora de Salvador fluindo. Isso realmente mudou minhas ideias sobre os instrumentos e expandiu minha atenção ao escutar a cidade. Eu experimentei como alguém está sempre cercado por som em alta intensidade e de forma circular, e então quis trazer essas características para o meu trabalho.
 
Em sua leitura, qual é o maior legado deixado por Smetak no campo das artes e do pensamento humano?
Smetak nos revigora com a sua visão de que instrumentos musicais contêm poderes cósmicos, trazendo conceitos indígenas e orientais para uma prática de arte contemporânea no Ocidente. Instrumentos não são apenas objetos inertes e fazer arte não é algo decorativo ou apenas entretenimento: são ferramentas para nos mostrar nossa interconexão essencial com todas as coisas.