Arte contemporânea latino-americana  Imagens de um mundo interconectado

Anisoscelis flavolineata - Chinche patas de hoja © Erika Torres, 2019

Diversos artistas latino-americanos adotam aspectos do legado de Alexander von Humboldt, criando laços entre a ciência e a estética. Suas obras revelam forças naturais interconectadas e incorporam reflexões muito atuais. Fotos da presença da natureza na arte contemporânea da América Latina.

Poucas pessoas tiveram a oportunidade de transcender o espírito de sua própria época como Alexander von Humboldt. Através de seus textos e ilustrações, Humboldt nos mostrou o mundo vivo e interconectado em que vivemos e o descreveu através de sua própria prática científica transdisciplinar, assim como da arte.
 
Os artistas latino-americanos apresentados a seguir adotam – de forma explícita ou latente – aspectos do legado de Humboldt, assim como seu interesse em criar pontes entre uma visão científica e estética da natureza e o desejo de exercer influência sobre ações que beneficiem os ecossistemas e não uma economia global de consumo. As obras dos artistas apresentados constituem elas próprias organismos vivos: formas de perceber o mundo e de descobrir forças naturais interconectadas entre si, que, por sua vez, relacionam-se a reflexões políticas, econômicas, sociais, epistemológicas e ecológicas.
 
O artista colombiano Carlos Motta reúne, em sua instalação Petrificado (2016), imagens “históricas” de conquistadores em seus encontros com paisagens e comunidades indígenas, e fotografias próprias dos desertos do Novo México e do Arizona. Este conjunto museológico permite assinalar a cumplicidade da paisagem com aqueles encontros violentos, ao mesmo tempo em que permite ao público tecer relações e narrativas. Petrificado comprova que as condições de dominação do território caminham juntas com os regimes de representação históricos que buscam apagar a memória dos lugares e povos oprimidos.
 
A artista brasileira Maria Thereza Alves documenta, em seu livro Recipes For Survival (Receitas para sobrevivência – 1983/2018), através de fotografias e textos, o trabalho de alguns “agentes ativos” do Brasil, pessoas envolvidas com sua história e que geram processos narrativos onde o natural e estatal estão conectados. Aqui, o fotográfico é problematizado através do distanciamento gerado pela câmera. As receitas de Alves nos incitam a observar ativamente nosso ambiente para assim cocriar paisagens, narrativas e memórias que nos reconstituam a partir do que somos.

 
 
 
A artista colombiana Carolina Caycedo trabalhou com comunidades ribeirinhas afetadas por represas. Suas obras representam e se localizam em paisagens naturais, sociais e corporais. Be Dammed (em progresso) é uma série de obras que documentam e investigam conjunturas corporativas e estatais relacionadas com corpos sociais e aquáticos. Com imagens aéreas e de satélite elaboradas com o auxílio da tecnologia, e intervenções geo-coreográficas, Caycedo gera resistência às transformações que demonstram como as relações de controle sobre a água se estendem à colonização de fluxos humanos e mentais.
 
Minerva Cuevas testemunha o impacto ecológico gerado pela explosão de uma plataforma petrolífera na península de Iucatã, no México. Sua série Hidrocarburos (em progresso desde 2006) permitiu a ela explorar os ecossistemas afetados pelas refinarias. Após recolher objetos e imagens naqueles lugares, Cuevas se apropriou da linguagem do museu, dispondo ironicamente notícias de jornais, pedras e outros objetos cobertos de alcatrão, para assim alterar o caráter oficial do aparato museológico e incitar a uma tomada de ação por parte de todos os agentes envolvidos na administração corporativa dos recursos naturais.
 
Outra testemunha das transformações da paisagem é a colombiana Natalia Castañeda Arbeláez, que, através da apuração de dados científicos e materiais, compõe topografias que se convertem em pinturas. Suas paisagens refletem lugares silenciados ou ruínas naturais transformadas pelo tempo. Sua busca estética parte de suas expedições aos territórios. Sua obra mais recente, a pintura Vertientes (2019), irradia uma visão fragmentada do degelo da neve no monte Santa Isabel, na Colômbia. Comparada ao Naturgemälde de Alexander von Humboldt, Vertientes indica uma perda de nossa integridade com o cosmos.
 
Se o cosmos é beleza e ordem, então Maya Watanabe, em sua obra Escenarios (2015), quer criar uma série de cosmos por meio de instalações compostas por imagens em movimento e linguagens teatrais em torno de paisagens naturais. O sentido de unidade visual de Escenarios se quebra constantemente através da utilização de múltiplos canais visuais. Ou seja, em cada cenário, a “imagem total” é constantemente intersectada por reflexos ou imagens biográficas geradas por situações políticas, históricas ou de distúrbios civis que constituem a memória e o esquecimento do Peru.

 
 
 

O artista venezuelano Miguel Braceli, junto com setenta estudantes de arquitetura do Instituto de Tecnologia da Costa Rica, realizou intervenções performáticas na paisagem que circunda o vulcão Irazú, que dá nome à obra. Braceli parte de uma dinâmica de criação, participação e investigação coletiva, que conecta o humano com forças naturais, como o vento, o fogo, a água e a terra. Coordenar esta coletividade dentro da obra permite a ele construir tensões poéticas e visuais. Como resultado deste diálogo performático no espaço, é possível apreciar na obra uma comunhão da arte com o ambiente.
 
Continuando o diálogo humano com a natureza, a obra de videoarte do chileno Gianfranco Foschino foi concebida a partir de uma contemplação do tempo e de ideias, onde a produção do olhar e a representação repetem-se em loop e recaem sobre paisagens imutáveis e de ecossistemas virgens. La edad de la tierra (2016) contempla paisagens e texturas de animais das Ilhas Galápagos, ao mesmo tempo em que brinca com nossas ideias preconcebidas sobre a natureza. Com este gesto, Foschino confirma nossa obsessão pelo tempo e nossa fragilidade existencial no planeta.
 
Finalmente, o artista argentino Adrián Villar Rojas altera radicalmente os lugares onde sua obra em cinco tempos El teatro de la desaparición (2017) se expõe, utilizando trabalhos esculturais e visuais em grandes formatos. Suas múltiplas transformações in loco e a revisão de coleções arqueológicas e naturais permitem que Vilar manipule uma linguagem espacial-temporal imprevisível, que nos confronta com cenários pós-humanos. As diferentes versões de Teatro nos imergem em estágios surreais da natureza e da cultura, em uma série de infraestruturas museológicas artificiais, que remetem a um apocalíptico final do Antropoceno.
 

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