Dicas de leitura para a escalada  “A montanha mágica” de Thomas Mann

© Alessandra Weber © Alessandra Weber

“A montanha mágica” de Thomas Mann tem fama de ser um livro para “intelectuais de verdade”. Nem tudo, porém, precisa ser tão complicado: leia as dicas para iniciantes que querem dar uma chance a esse clássico da literatura.

O livro A montanha mágica, de Thomas Mann, publicado em 1924, é considerado um dos romances mais importantes do século 20. E, para muita gente – sobretudo para quem não leu o livro –, é também considerado um dos mais difíceis.

A narrativa pode ser resumida de forma relativamente simples: o jovem futuro engenheiro Hans Castorp visita seu primo em um sanatório para tuberculosos em uma montanha nos Alpes suíços. Ele planeja permanecer ali por apenas algumas poucas semanas, mas acaba ficando, por fim, sete anos – entre outros, porque se apaixona por uma das pacientes. Só abandona o lugar quando vai lutar na Primeira Guerra Mundial. Antes disso, Hans participa de extensas e complexas conversas com diversas pessoas sobre filosofia, teologia, política e história e se aprofunda nos segredos da botânica, da astronomia e da teoria da evolução.

O romance recebeu logo de início a fama de ser um livro para “intelectuais de verdade” e um “resumo da cultura europeia”. Em função disso, muita gente que cogita a leitura do romance acaba sentindo em relação a ele principalmente uma coisa: medo.

Mas será que esse medo se justifica? Não necessariamente. Uma leitura aprazível de A montanha mágica também é viável para pessoas não iniciadas em literatura, não especialistas e não loucas. Aqui estão algumas dicas para uma abordagem bem-sucedida – e, sim, também divertida – de A montanha mágica.

1. Deixe-se encantar

No “propósito” de A montanha mágica, Thomas Mann – ou de qualquer forma o narrador do livro – explica que a história de Hans Castorp tem “cá e lá algo em comum com os contos maravilhosos”. Esse caráter de fábula (e também mitológico) fica evidente em vários aspectos do romance: na aparição recorrente do número 7, na natureza excêntrica do cenário da narrativa – o sanatório “Berghof”, um lugar onde predominam condições temporais e climáticas incomuns e de onde poucas pessoas saem vivas – ou na utilização de personagens arquetípicas. Há o herói inexperiente Hans, que inicia uma viagem incerta, mas também o misterioso e cômico “proprietário” do sanatório, Dr. Behrens; o “humanista” italiano e guia espiritual do herói, Lodovico Settembrini; a perigosa sedutora Clawdia Chauchat e uma garçonete que é no livro irritantemente descrita como “anã”.
 

Sete anos nas montanhas suíças: Thomas Mann usou o antigo Sanatório Dr. Philippi, mais tarde conhecido como Valbella, em Davos, no cantão suíço dos Grisões, como modelo para a aparência externa do sanatório de “A montanha mágica”. Imagem de 1935.

Sete anos nas montanhas suíças: Thomas Mann usou o antigo Sanatório Dr. Philippi, mais tarde conhecido como Valbella, em Davos, no cantão suíço dos Grisões, como modelo para a aparência externa do sanatório de “A montanha mágica”. Imagem de 1935. | © picture alliance/Arkivi/akpool GmbH PA 256736789

Ou seja, leve Thomas Mann – ou pelo menos o narrador do livro – a sério (mas faça isso com moderação; sobre isso, veja a dica nº 5): leia o romance como você leria um conto de fadas imemorial, com a mente aberta a ocorrências e protagonistas que são estranhos ou, às vezes, incompreensíveis.

2. Atreva-se a pular trechos

Por longos trechos, A montanha mágica é realmente um livro acessível, que pode ser lido com prazer. E para as passagens difíceis recomenda-se uma leitura dinâmica sem grandes perdas (pelo menos na primeira leitura; sobre isso, veja a dica nº 7). Um exemplo são as longuíssimas discussões entre o esclarecido e talvez excessivamente otimista Settembrini e seu interlocutor, o reacionário e sombrio Leo Naphta. Como o dramaturgo inglês W. Somerset Maugham escreveu certa vez, pular uma página é perfeitamente aceitável, visto que “uma pessoa sensata não lê um romance como tarefa, mas por prazer”.

3. Procure ajuda!


Você não está sozinho(a) – ou pelo menos não precisa estar. Há duas possibilidades: crie um círculo de leitura, discussão ou, no fim das contas, de terapia de grupo: A montanha mágica. Você vai se admirar com a quantidade de gente que gostaria de se aproximar do livro, mas, além da vontade, sente também um pouco de medo. E você vai ver o quanto falar em grupos sobre literatura contribui para a liberação de hormônios da felicidade.

No entanto, se for para se ater a uma experiência individual: tanto as bibliotecas quanto a internet oferecem uma gama de recursos de leitura. Além das biografias mais importantes de Thomas Mann, como Thomas Mann: Das Leben als Kunstwerk (Thomas Mann: A vida como obra de arte), de Hermann Kurzke, e Thomas Mann: Werk und Zeit (Thomas Mann: Obra e tempo), de Dieter Borchmeyer, os práticos livros a seguir podem servir de maravilhosos “companheiros de leitura”:

  • Daniela Langer: Erläuterungen und Dokumente zu Thomas Mann Der Zauberberg (Notas e documentos sobre A montanha mágica de Thomas Mann))
  • Thomas Sparr: Zauberberge – Ein Jahrhundertroman aus Davos (Montanhas mágicas – romance do século de Davos)
  • Volker Weidermann: Mann vom Meer. Thomas Mann und die Liebe seines Lebens (Homem do mar. Thomas Mann e o amor de sua vida)

O ensaio em inglês  The Anxiety of Difficulty – Trying to Read Thomas Mann, de Karolina Watroba, especialista polonesa em literatura, é bastante recomendável.

4. Use o livro como ferramenta de meditação

As frases de Thomas Mann costumam ser consideravelmente longas e intrincadas. Afinal, a língua alemã oferece possibilidades de expressão que permitem a quem escreve ser detalhista, prolixo, lúdico, por vezes irritante, exagerado e, ao mesmo tempo, exato ou minucioso. Isso é usado com determinação por Mann em A montanha mágica, bem como em muitos de seus outros livros, sejam de ensaios ou prosa. Essas frases podem irritar. Mas elas têm também um ritmo singular. Conseguem exercer uma atração que pode levar quem lê a uma espécie de modo fluido, um transe contemplativo, assim como ocorre com algumas litanias rituais e cantos religiosos. Abdique da afirmação careta de que cada frase de um livro seria decisiva para a “trama”. Abdique até mesmo da ambição de procurar uma “trama emocionante” – e embarque na musicalidade e cadência especiais do estilo de Thomas Mann. Sua mente vai agradecer.

A escrivaninha de Thomas Manns com o manuscrito de “A montanha mágica”.

A escrivaninha de Thomas Manns com o manuscrito de “A montanha mágica”. | © Biblioteca do Instituto Federal de Tecnologia (ETH) de Zurique, Arquivo Thomas Mann /Fotógrafo: desconhecido/TMA_4356

5. Não leve A montanha mágica tão a sério!

A montanha mágica é uma história de enfermidade e anseio decadente pela morte. Hans sente-se, como ele próprio diz, “em seu elemento” ao lado de doentes e moribundos. Entretanto, A montanha mágica é também um livro com passagens muito engraçadas. Se você quer se convencer disso, leia, por exemplo, as seguintes passagens – partindo do príncipio de que você, obviamente, tenha senso de humor:

  • Se possível, todos os trechos onde o Dr. Behrens fala. Sua maneira de falar é tão única – prolixa, mas meticulosa, maliciosa, imaginativa e atrevida –, de forma que você terá que rir alto a todo momento.
  • Capítulo 3, episódio “Brincadeira de mau gosto. Viático. Hilariedade interrompida”: trata-se aqui da apresentação da “Sociedade Meio-Pulmão”, um grupo bizarro de pacientes do qual faz parte uma certa “Hermine Kleefeld”, que “sabe assobiar com o pneumotórax”..
  • Capítulo 6, episódio “Assalto rechaçado”: James Tienappel, o tio de Hans, tão correto quanto simplório, visita o sanatório com o plano de levar o sobrinho de volta para a “planície”. O relato feito por Mann sobre o caráter de James e sua paixão pela Sra. Redisch, uma das pacientes, é hilário.
  • Capítulo 7, episódio “Coisas muito questionáveis”: durante uma sessão espírita no sanatório, é evocado um fantasma chamado “Holger”, que afirma ter sido em vida um poeta. Ele oferece aos presentes uma amostra absurda de sua poesia. A paródia poética de Mann é maliciosa e espirituosa.

6. Desfrute de sua estada no “Berghof”

E também: sim, o livro de Mann é um imenso desempenho intelectual. Sim, é uma obra enciclopédica impressionante. Sim, ele oferece uma análise genial do estado mental dos cidadãos e das cidadãs mais ilustres da Europa antes da Primeira Guerra Mundial. O livro é, contudo, também muito sensual. Não acredita? Então dê uma chance a estas alternativas de leitura:

  • A montanha mágica parcialmente como romance de amor erótico-recalcado: isso fica evidente nas inúmeras passagens nas quais Hans pensa na “Madame Chauchat”, observa-a (e é observado por ela) e tenta se aproximar dela. Sobretudo um diálogo ardente entre os dois, em francês (no episódio “Noite de Walpurgis”, capítulo 5), é capaz de causar inquietude até mesmo nos leitores e nas leitoras mais frios.
  • Livro do prazer: em A montanha mágica, pessoas saudáveis adoecem e pessoas doentes morrem. Mas – pelo menos enquanto estão vivos – as/os pacientes do sanatório desfrutam de uma existência bastante prazerosa, que Mann sabe maravilhosamente descrever. Eles viajam com “maletas de couro de crocodilo”, passam o tempo deitados em espreguiçadeiras e envoltos em caros cobertores caros de pele de camelo, fumam charutos excelentes, degustam pratos opulentos em todas as refeições e bebem vinhos excepcionais até a embriaguez (por exemplo, no episódio “Vingt et un”, capítulo 7).
  • A montanha mágica como nature writing (escrita sobre a natureza): Mann é capaz de descrever a beleza, o sublime e a violência da natureza a ponto de tirar o fôlego. Leia, por exemplo, as descrições das plantas no início do episódio “Mais alguém” ou o famoso episódio “Neve”, um dos textos mais apreciados da literatura alemã – ambos parte do capítulo 6.

7. Volte em breve

A última dica vem do próprio Thomas Mann:

“O que devo então dizer sobre o próprio livro e ainda por cima, como deve ser lido? O começo é uma exigência muito arrogante, a dizer que se deva lê-lo duas vezes. É claro que essa exigência é retirada imediatamente para o caso de que na primeira vez se tenha ficado entediado. A arte não deve ser nenhum trabalho escolar, nem dificuldade, nenhuma ocupação contre cœur, mas sim deve alegrar, entreter e animar e aquele sobre o qual uma obra não exerce esse efeito então este deve deixá-la de lado e voltar-se para outra. Mas quem chegou uma vez até o final com A montanha mágica então eu o aconselho a lê-la mais uma vez, pois seu feitio particular, seu caráter como composição traz consigo que o prazer do leitor aumentará e se aprofundará da segunda vez – como se deve já conhecer uma música para poder desfrutá-la de acordo.” (Thomas Mann, em uma conferência aos estudantes da Universidade de Princeton em 1939)

O autor agradece a Jana Burbach e Max Wolf, pela contribuição de ideias e palavras para este texto.

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