A escrita queer como forma de arte  Algumas notas sobre meus sentimentos gays

Die Stars von „Dynasty“ – im deutschen Fernsehen hieß die Serie „Denver Clan“
Die Stars von „Dynasty“ – im deutschen Fernsehen hieß die Serie „Denver Clan“ Foto (Ausschnitt) : Brettschneider © picture alliance
Minha estética foi antes de tudo gay.

Quando eu tinha dez anos, era obcecado por novelas estadunidenses. Não tinha interesse na programação juvenil, mas ficava extasiado com as acrobacias e a teatralidade de cidade pequena do Hospital Geral e pela obsessão por classes de Dinastia. Quando a “rainha de todas as pesquisas”, Alexis Carrington Colby, caiu com o carro acidentalmentea de uma ponte, em um ataque por amor não correspondido, senti sua dor. Quando os arquetípicos amantes em fuga, Luke Spencer e Laura Webber, tiveram um encontro romântico em um shopping após o expediente, me arrebatei em êxtase romântico. Quando Steven Carrington reuniu sua família para discutir sua sexualidade histrionicamente, encontrei um irmão de armas de primeira linha. Melodrama, sentimentos exagerados, a sinceridade obscena e extrema beirando a loucura são sinais típicos da condição homossexual masculina estereotipada e atributos definidores da minha florescente sensibilidade aos dez anos de idade. Meu gosto por arte era gay antes que eu pudesse ser.

Die Stars von „Dynasty“ – im deutschen Fernsehen hieß die Serie „Denver Clan“ Die Stars von „Dynasty“ – im deutschen Fernsehen hieß die Serie „Denver Clan“ | Foto (Ausschnitt): Bert Reisfeld © picture alliance
Por que esses sinais existem? Por que alguns gays cobiçam e criam esses artefatos estranhos? Acho que tudo vem do anseio. O desejo molda nossa visão de mundo. Mesmo em idade muito jovem, meus anseios tinham um foco emocional singular e altamente carregado. Eu queria ser amado! Queria ser compreendido! Queria uma entrada triunfal! Queria sentar no meu quarto e meditar! Estava sempre procurando na cultura pop sinais que dessem sentido a isso. Como Alexis, como Steven, como Luke e como Laura, meus sentimentos tristes/felizes e minhas paixões não centradas eram vertiginosos.
           

Esse modo distintamente gay de ser, aliás, parece estar enraizado em um particular modo queer de sentir. E esse modo queer de sentir – essa subjetividade queer – expressa-se através de uma maneira peculiar e dissidente quando me relaciono com objetos culturais (filmes, músicas, roupas, livros, obras de arte) e expressões culturais em geral (arte e arquitetura, ópera e teatro musical, cultura pop e disco, estilo e moda, emoção e linguagem). Como prática cultural, a homossexualidade masculina envolve uma forma característica de receber, reinterpretar e reutilizar a cultura dominante.

De “Como ser gay”, de David Halperin

Em seu livro How to Be Gay (Como ser gay), o acadêmico e escritor David Halperin fornece uma ampla análise dessa sensibilidade gay particular: asmaneiras pelas quais a cultura queer toma a cultura heteronormativa e a vira ao avesso, como o camp “trabalha para drenar os sofrimentos de uma dor que ele ao mesmo tempo não nega”. Meu único ponto de discórdia com Halperin é que ele argumenta que esses modos de apreciação são transmitidos, aprendidos por um homem gay da experiência de outro. Ninguém me ensinou a amar Dinastia , Diana Ross ou Lil Kim, eu o fiz por mim mesmo. Meu desejo procurou essas narrativas. Incrível mas verdadeiramente, eu “nasci desse jeito”.

À medida que fui ficando um pouco mais velho, descobri que esses sinais estéticos eram potentes. Se centrada corretamente, essa coleção inusual de gostos poderia produzir totens poderosos: arte gay que falava com uma voz explicitamente gay. Manuel Puig, Edmund White, Essex Hemphill, Marlon Riggs, Reinaldo Arenas, Andy Warhol e John Waters me mostraram o caminho. A estética gay muitas vezes leva a uma arte inspirada, desvairada e magnífica.

No meu último ano no ensino médio, me foi designado um projeto de natureza criativa. Meu professor encarregou a classe de reinterpretar Moby Dick, de Herman Melville, através de uma abordagem literária ou performática original.

Reuni meus amigos e criei uma peça radiofônica absurda chamada Moby Dick no barco do amor.  

Na peça, a melancólica baleia Moby Dick reserva uma cabine no icônico navio de cruzeiro Pacific Princess. Moby está se recuperando de um romance fracassado com um baleeiro adorável, mas ligeiramente desequilibrado, chamado Ahab. Moby fez a reserva no cruzeiro para descansar e se recuperar, algo de que necessitava com urgência, dessa relação apaixonada, mas conturbada.

“Nós vimos de mundos tragicamente diferentes…”, lamentava a baleia.

Infelizmente para Moby, Ahab também havia reservado uma cabine no mesmo navio. Por acaso os dois se esbarram acidentalmente no Acapulco Lounge, e então irrompe um bate-boca acalorado. Eles discutem sobre a natureza do desejo e a possível natureza destrutiva do amor romântico intenso. A luta se torna física e, num acesso de raiva, Moby afunda o navio, juntamente com todos os seus passageiros.

Eu recebi um B pela adaptação.

Disco-Karussell Disco-Karussell | Foto (Ausschnitt): Pixabay © Pexels Em março de 2017, fui convidado pelo festival Neue Literatur para mediar um painel sobre a literatura LGBTQ alemã contemporânea, intitulado Silêncio é violência: escrita LGBTQ em um clima político fraturado. O painel era composto por vários autores de língua alemã e um autor de língua inglesa, todos com trabalhos que tinham como protagonista um LGBTQ alemão.

Comecei a discussão tentando demarcar os parâmetros da literatura LGBTQ. Nos reunimos todos para discutir a escrita LGBTQ em um momento de tensão política e cultural, mas antes eu queria avaliar como nós, em grupo, definimos a literatura LGBTQ. Ela é definida por uma sensibilidade, pelo tema, ou por outra(s) coisa(s)?

Então perguntei ao painel: “Vocês sentem que há uma estética gay?”
Em coro, os membros disseram: “Não”.

Os escritores presentes no painel afirmaram que eram escritores, em primeiro lugar, e que todo o resto vem depois, incluindo sua sexualidade.

Nesse momento soube que ninguém no painel amava Dinastia tanto quanto eu.

Algo se perdeu na tradução cultural? Minha experiência de performance gay não se traduzia na atual nomenclatura alemã? Será que esses participantes do painel não querem se sentar em seus quartos para meditar?

O painel do festival Neue Literatur foi uma importante lembrança de que as estéticas gays (ocidentais) da emocionalidade não são hegemônicas. Nem todo gay é moldado por uma acentuação extrema de sentimentos. Sim, muitos deles o são, suficientemente para formar uma sensibilidade. Mas talvez essa sensibilidade não precise ser a principal característica da arte gay, não mais. Ou talvez esses artistas alemães gays estejam tentando ultrapassar os limites do estereotipado.

Eu sou um estereótipo, de um tipo que contém multidões. Acho que não quero deixar isso para trás.

O conceito estadunidense do queer é extrair poder do estereotipado, levá-lo adiante, transformá-lo e transmutá-lo de feno em ouro. O que está muito ligado à retórica estadunidense sobre autoconfiança, se você analisar mais profundamente.

Mas o que vem depois? Como é uma literatura gay que não centraliza uma sensibilidade “gay”? Procurei os trabalhos traduzidos dos autores alemães presentes no painel. Líricos e pensativos, os trabalhos que li estavam repletos de tramas propulsivas e estudos de personagens maravilhosos. Os trabalhos eram narrativas bem trabalhadas que deixavam de ladopara a estrutura a emocionalidade caótica. Talvez, à medida que nos tornamos mais assimilados pela sociedade, nosso vernáculo gay codificado não seja mais tão necessário.

Mas… mas... talvez meu coração continue! Abençoemos a internet por manter o fogo aceso em casa. As crianças vão nos salvar (a mim). Recentemente, descobri um conjunto de contas na mídia social criadas por um grupo de millennials e dedicadas à bela arte erótica gay. Nada morre completamente.

Uma vez enviei a uma paixão não correspondida uma coletânea composta por canções de amor cantadas por Shirley Horn. Intitulei a fita Horn em abundância. Amo Shirley Horn, porque seu cancioneiro pode ser visto como dramaticamente sério ou lamentavelmente irônico, dependendo do seu humor. Meu humor é sempre a combinação de ambos.

Tive a minha parte
Bebi a minha dose
E ainda que eu esteja satisfeita
Ainda estou com fome
Para ver o que está além da colina
E fazer tudo de novo
- Here's to Life, de Shirley Horn

O coração quer o que o coração quer. Meus anseios são assados na panela. Sou o que sou: um homossexual de 45 anos que adora musicais, Proust, jazz e disco. Meus sentimentos homossexuais se infiltram em tudo. Neste ponto, não há volta.

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