Mulheres na política  “Tão pouca mudança nos 16 anos de governo Merkel”

Angela Merkel ocupou o cargo de chanceler federal alemã durante 16 anos. O que mudou para as mulheres na política nesse período?
Angela Merkel ocupou o cargo de chanceler federal alemã durante 16 anos. O que mudou para as mulheres na política nesse período? Foto (detalhe): © picture alliance/dpa/AFP POOL/Tobias Schwarz

A Alemanha foi governada por uma mulher durante quatro mandatos parlamentares: a premiê Angela Merkel foi também a primeira mulher a ocupar esse cargo. No entanto, seu período como governante não abriu as portas para uma maior proporção de mulheres na política, como aponta a cientista política Barbara Holland-Cunz. Em entrevista, ela explica como as cotas podem ajudar e quanto tempo levará até que as mulheres sejam representadas igualmente na política. E comenta que a Alemanha evoluiu tão pouco neste sentido justamente porque outros países estão bem à frente.

Barbara Holland-Cunz é professora de Ciência Política especializada em pesquisas relacionadas à mulher na Universidade de Giessen. É membro do conselho curador da associação sem fins lucrativos “Mehr Demokratie”, que se empenha por uma maior participação da sociedade civil. É também membro do conselho consultivo científico da revista “Gender”.  Barbara Holland-Cunz é professora de Ciência Política especializada em pesquisas relacionadas à mulher na Universidade de Giessen. É membro do conselho curador da associação sem fins lucrativos “Mehr Demokratie”, que se empenha por uma maior participação da sociedade civil. É também membro do conselho consultivo científico da revista “Gender”.  | Foto: © Asya Evcil As mulheres continuam consideravelmente sub-representadas na política – o que fica evidente ao observar as estatísticas. Até 1983, a proporção de mulheres no Bundestag (Parlamento alemão) era inferior a 10%. Desde então, esse percentual aumentou substancialmente, mas, após as mais recentes eleições parlamentares, os resultados foram tristes. A representação de mulheres no Parlamento caiu de 37% (o percentual mais alto de todos os tempos) no pleito de 2013 para apenas 31% em 2017 e 35% em 2021. Qual foi a razão disso?
 
Mudanças de verdade precisam de tempo. É difícil compensar os 3 mil anos de patriarcado com os 16 anos de Angela Merkel. E o simples fato de Merkel ser uma mulher não significa que as mulheres tenham conseguido se impor mais na política. No que diz respeito à proporção de mulheres na política, temos testemunhado uma espécie de estagnação em escala nacional desde 2002, e a partir daí permanecemos nesse mesmo patamar ruim. Em uma comparação internacional, registramos até mesmo um forte retrocesso: de acordo com a União Interparlamentar, que conta a porcentagem de mulheres nas câmaras alta e baixa de parlamentos em todo o mundo, o Bundestag alemão ocupava o 15º lugar no ranking de câmaras baixas no final de 2005. Hoje ocupamos o 42º lugar no mundo. Outros países passaram à nossa frente graças às leis de equidade e às cotas partidárias. É possível piorar no ranking quando outros se tornam melhores.
 
Seria uma boa ideia ter uma cota para mulheres, a fim de mudar essa situação? 
 
Sempre fui cética frente à ideia de que tudo mudaria, caso introduzíssemos um sistema de cotas. Por outro lado, não vejo outra alternativa senão uma abordagem institucional dessa questão. Sem cotas para mulheres nem leis de equidade, é improvável que avancemos apenas por meio da igualdade de gênero. Ainda assim, o governo Merkel registrou vários avanços em termos de política para a família – especialmente quando Ursula von der Leyen foi ministra. Nessas alturas, já temos abono parental, licença maternidade e paternidade, garantia de creche e assim por diante. Não é pouca coisa dar condições para que as mulheres estejam em condições de conciliar família e profissão.
  
Mesmo assim, o ônus do cuidado das crianças e do trabalho doméstico acaba caindo sobre os ombros das mulheres.
 
Claro que isso é verdade, e a pandemia de coronavírus, em particular, resultou em um dramático retrocesso. De súbito, as mães ficaram presas em casa de novo. A igualdade salarial também não progrediu nos últimos anos. Pessoalmente, subestimei a estabilidade das nossas relações de gênero – eu não teria imaginado que a política relacionada à condição da mulher mudaria tão pouco nos 16 anos de governo Merkel. Mas talvez esse seja um pensamento de curto prazo. Atuo na política feminista há 40 anos, mas os resultados que testemunho não correspondem ao empenho político.
 
É justificável perguntar à então candidata Annalena Baerbock como ela, na condição de mãe de dois filhos pequenos, pretendia conciliar a família com sua atuação política?
 
A pergunta é certamente legítima e deveria ser feita também aos homens da mesma forma. Afinal, está claro que essa posição de responsabilidade exige muito de qualquer pessoa. Em termos de relevância político-democrática, seria mais pertinente a pergunta: não podemos organizar as atividades no serviço público de maneira diferente? Deveria ser possível realizá-las sem ter uma semana de 80 horas de trabalho – essa não é uma forma de organizar a política que respeita o ser humano, pois significa que filhos de políticos têm que ser adultos ou que os políticos não devem ter filhos, como é o caso de Angela Merkel ou de Olaf Scholz.

Annalena Baerbock, do Partido Verde, foi uma das candidatas à eleição em 2021: mais uma mulher concorrendo ao posto de chefe de governo. Na foto, comício de campanha eleitoral em Berlim. Annalena Baerbock, do Partido Verde, foi uma das candidatas à eleição em 2021: mais uma mulher concorrendo ao posto de chefe de governo. Na foto, comício de campanha eleitoral em Berlim. | Foto (detalhe): © picture alliance/Foto Huebner Após uma aceitação inicial, Baerbock teve que lidar com muitas críticas. Isso foi justificável?
 
Quem adorna seu currículo e copia passagens alheias em seu livro, precisa contar com críticas públicas. Algo assim não deixa a impressão de se tratar de uma profissional.
 
Armin Laschet também foi acusado de plágio. Mas, ao contrário de Baerbock, ele não teve que suportar o mesmo discurso de ódio na mídia digital. Isso tem algo a ver com o fato de Baerbock ser mulher?
 
Em princípio, é verdade que as mulheres politicamente ativas estão muito mais expostas a ataques de ódio em um ambiente digital do que os homens (vide as caixas de comentários). Ao contrário do que acontece com os homens na política, as mulheres são raramente submetidas a ataques por causa de suas posturas políticas, mas se tornam vítimas de discursos sexualizados de ódio, com fantasias de violência. Ataques difamatórios desse tipo também são responsáveis por manter as mulheres longe da política. Eles antecipam o quão poderosa e agressivamente as pessoas são atacadas no mundo online. É preciso se isolar disso, o que não é fácil.
  
Nada disso soa como se fôssemos ter, no futuro, uma equidade entre homens e mulheres na política, não é?

Vários estudos foram realizados sobre essa questão. Se eles estiverem certos, podemos levar entre 100 e quase 500 anos para alcançar uma igualdade plena de gênero.

VIOLêNCia digital contra mulheres

Mulheres envolvidas na política recebem uma avalanche de comentários machistas e ameaças de assassinato, estupro, espancamento ou sequestro, especialmente nas redes sociais. Para uma matéria de capa sobre campanhas de difamação digital contra mulheres atuantes na política realizada em julho de 2021, o semanário Der Spiegel perguntou a todas as 222 mulheres que eram então membros do Bundestag sobre suas experiências frente à misoginia. Em torno de 70% delas afirmaram já ter sido alvo de ódio por misoginia. Além disso, 64% tinham recebido mensagens de ódio (principalmente online) e 22% sofrido ataques reais à sua pessoa, escritório, casa ou apartamento.

Membros do Partido Verde demonstram solidariedade com a ex-líder da bancada verde, Renate Künast: há tempos que a política combate por vias jurídicas a campanha de ódio e difamação promovida contra ela na internet.  Membros do Partido Verde demonstram solidariedade com a ex-líder da bancada verde, Renate Künast: há tempos que a política combate por vias jurídicas a campanha de ódio e difamação promovida contra ela na internet.  | Foto (detalhe): © picture alliance/dpa/Arne Immanuel Bänsch O HateAid, um centro de contato para vítimas da violência digital criado em 2018, registrou um aumento acentuado nos pedidos de aconselhamento às vésperas das eleições do Bundestag, em 2021. De janeiro a agosto de 2021, o número de solicitações passou das 187 registradas no ano anterior para 542 neste ano. “Há uma grande diferença entre a violência vivida por mulheres atuantes na política e por seus colegas homens”, explica a diretora comercial, Anna-Lena von Hodenberg. “A violência contra as mulheres em cargos políticos é principalmente sexualizada, elas recebem insultos machistas, ameaças de estupro ou se deparam com montagens de fotos em que aparecem nuas online. As mensagens logo se referem a seus corpos (sejam eles gordos ou magros), à aparência de seus seios, ou se a relação sexual com elas pode ser desejável. Salta aos olhos a pouca atenção destinada aos conteúdos de suas opiniões políticas. Mulheres que querem contribuir ativamente para a política e defendem suas opiniões em público ainda constituem claramente uma provocação para muita gente, que sente a necessidade de degradá-las publicamente. A internet é o lugar perfeito para isso.”

Leia mais…

Failed to retrieve recommended articles. Please try again.