A série cujo título original é Der Pass, mais conhecida fora das regiões de língua alemã como Pagan Peak, adapta a premissa já conhecida da série dinamarquesa Bron (The Bridge): uma vítima de assassinato é encontrada nos Alpes entre a Alemanha e a Áustria. Investigadores dos dois lados precisam se unir, com relutância, para encontrar o assassino. Os roteiristas austríacos Cyrill Boss e Philipp Stennert usam isso como ponto de partida para um suspense especificamente regional, com personagens próprios e uma narrativa que está longe de ser previsível. O resultado é, inesperadamente, o melhor suspense policial desde Zodíaco. Esta é a obra definitiva do “noir alpino”.
Anteriormente, em “CSI: Nietzsche”…
Uma série sobre dois policiais que perseguem serial killers na fronteira entre a Alemanha e a Áustria: isso é TV de renome? A princípio, pode parecer o último resquício da TV a cabo, mas não: o premiado sucesso do streaming austríaco-alemão Pagan Peak (três temporadas, 2019-2023) é um policial de suspense tão bem feito que conquista rapidamente até os espectadores mais céticos.Estabelecendo um clima de tristeza comovente desde o início, a primeira temporada começa com a investigadora alemã Ellie Stocker (Julia Jentsch) intrigada com a vítima de um assassinato cujo cadáver foi cruelmente exposto bem na fronteira entre os dois países. Ellie é visivelmente loira, simpática e competente. O ar de sensível empatia, que caracterizava Jentsch em seu papel de estreia como Sophie Scholl, cai bem a ela aqui: Ellie aparece como a colega ideal e bem integrada à equipe. Isso, porém, é uma espécie de armadilha por parte da série, pois Ellie não tem ideia das trevas que a aguardam quando concorda em liderar a investigação do assassinato. É um tributo à atuação de Jentsch o fato de Ellie parecer ter envelhecido dez anos até o final da primeira temporada – momento em que a ansiosa jovem promissora que conhecemos inicialmente pouco tem a ver com a mulher que Ellie se tornou.
O parceiro reluntante de Ellie é Gedeon Winter (Nicholas Ofczarek, em uma atuação icônica), um detetive corrupto, rebaixado de seu posto em Viena para os confins rurais de Salzburgo. Lá, ele se instala em um café desolado, um lugar onde a cultura austríaca parece à beira da morte. Winter envolve o próprio corpo em um casaco forrado de pele que dá a ele um ar de cafetão decadente, formando o par estranho perfeito com a ambiciosa Ellie. Tão interessante quanto a inversão de papéis que ocorre entre os dois protagonistas à medida que a série avança, é a dinâmica de irmão e irmã que vai se criando gradualmente.
Este não é um paraíso invernal
As duas primeiras temporadas de Pagan Peak são suspense puro – daquele tipo que faz com que você queira, de maneira imprudente, ver “só mais um episódio”, mesmo quando o último acabou e o relógio já se aproxima da meia-noite. A primeira temporada alterna entre Berchtesgaden e Salzburgo, com desvios para Munique e Graz, no período que antecede o Natal. Mas a atmosfera não é a de um lugar aconchegante para relaxar, e sim de um feriado de inverno infernal, graças ao saqueador “assassino Krampus” – um incel fanático do fim dos tempos, que se apropria da figura tradicional do Krampus (uma espécie de alterego de São Nicolau, cultuado localmente para assustar crianças malcriadas) para se vingar terrivelmente da sociedade que não reconheceu sua genialidade. Os produtores da série utilizam a estética sinistra das máscaras de Krampus, esculpidas à mão, com tal efeito, que é como se a lenda do Krampus tivesse esperado séculos por esta série.Suspense? Pronto. Escapismo? Nem tanto.
Pagan Peak não é uma narrativa clássica no estilo “quem cometeu o crime?”. A primeira temporada revela quem é o assassino já no terceiro episódio. Os roteiristas situam sua vaidade masculina ferida no setor de tecnologia, e o assassino esconde seu ego por trás de uma fachada de suavidade quase agressiva, o que sugere que Boss e Stennert reconhecem que, na era pós #MeToo, até mesmo a ficção policial deve ser cautelosa ao criar monstros masculinos carismáticos. De maneira semelhante, na segunda temporada, o espectador já pode supor quem será o assassino nos primeiros minutos. O mal reside em uma elite arrogante com ares de aristocracia. A investigação de Ellie e Winter leva a dois irmãos: um deles, um perdedor que se tornou psicopata imprevisível; o outro, um magnata bem-sucedido que se torna instintivamente cruel quando quer proteger seu privilégio.Em ambas as temporadas, Ellie e Winter sofrem reveses graves em suas investigações. Os vilões estão sempre muito à frente das autoridades, de uma forma que se aproxima perturbadoramente da realidade das instituições modernas, dominadas pelos criminosos no século 21. Ellie e Winter acabam conseguindo apenas a mais provisória das vitórias, às custas de seu bem-estar e sacrificando sua ética profissional. Pagan Peak evita qualquer resolução simples de combatentes dedicados do crime que triunfam facilmente sobre os malfeitores. Por um lado, isso nega ao público a satisfação, mas as duas primeiras temporadas permanecem realmente verossímeis até o fim.
Ellie e Gedeon
Talvez assustados por terem que se superar, Boss e Stennert entregaram roteiro e direção a uma nova equipe para a terceira temporada. Ou talvez tenham pressentido que uma terceira temporada seria ambição demasiada, o que, de fato, foi o caso.
Ellie e Winter têm pelo menos um desfecho digno no final. E a boa notícia é que a história não termina aí: a dupla de sucesso Julia Jentsch e Nicholas Ofczarek retornará em breve às telas – desta vez na próxima série Drunter und Drüber da Prime Video. O melhor de tudo é que se trata de uma comédia, o que vai ser um desafio para os atores, já que o viés cômico não foi necessariamente a marca registrada de Pagan Peak. Enquanto isso não acontece, não é de se surpreender que Boss e Stennert tenham chegado à tela grande com Hagen (2024), já que Pagan Peak deixa evidentes suas ambições cinematográficas.
“Pagan Peak”
Três temporadas, 2019–2023
Oito episódios por temporada, 45–50 minutos por episódio
Elenco: Julia Jentsch, Nicholas Ofczarek
Roteiro: Cyrill Boss, Philipp Stennert
Produção: W&B Television GmbH