Na 75ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, sua nova diretora, Tricia Tuttle, aposta em uma mescla já comprovada: a presença de filmes de arte ao lado de estrelas internacionais. Além disso, a Berlinale não vive somente dos filmes que exibe, mas também de debates políticos – um aspecto que já faz parte de seu DNA.
Lars Eidinger em “Das Licht”, filme de abertura da Berlinale. Direção: Tom Tykwer | Foto (detalhe): © Frederic Batier / X Verleih
Em busca de sentido e normalidade
Na mostra competitiva internacional, concorrem 19 filmes de 26 países na corrida pelos Ursos de Ouro e Prata. Do ponto de vista temático, muitas produções giram em torno da vida cotidiana e da esfera privada, abordando questões como sentido e pertencimento. Filmes como Hot Milk, de Rebecca Lenkiewicz, ou a produção austríaca Mother's Baby, de Johanna Moder, destacam as complexas relações entre mãe e filho(a). No road movie francês Ari, Léonor Serraille envia um jovem professor em uma busca por autoconhecimento. Duas mulheres e uma garota sequestrada estão no centro do suspense chinês Girls on Wire, de Vivian Qu. Um dos poucos filmes que tratam de um conflito político atual vem da Ucrânia: Timestamp, de Kateryna Gornostai. Como único documentário da competição, o filme retrata com veemência o cotidiano de professores e alunos no país em guerra.
“Strichka chasu” (Timestamp). Direção: Kateryna Gornostai | Foto (detalhe): © Oleksandr Roshchyn
Programação principal com muitos filmes autorais
Duas produções alemãs podem trazem para essa edição um sólido cinema autoral de arte: Yunan, do diretor Ameer Fakher Eldin, que nasceu na Ucrânia, tem como personagem principal um exilado árabe cansado de tudo. Já Marielle Knows, o segundo longa-metragem de Frédéric Hambalek, é uma história familiar tragicômica com Julia Jentsch e Felix Kramer nos papéis principais.
Georges Khabbaz e Hanna Schygulla em “Yunan”. Direção: Ameer Fakher Eldin | Foto (detalhe): © 2025 Red Balloon Film, Productions Microclimat, Intramovies
Margaret Qualley e Ethan Hawke em “Blue Moon”. Direção: Richard Linklater | Foto (detalhe): © Sabrina Lantos / Sony Pictures Classics
De Tilda Swinton a Benedict Cumberbatch: estrelas visitando Berlim
Como organizadora experiente de festivais, Tuttle conhece o poder de atração exercido pelas estrelas internacionais. Ou seja, fãs e caçadores de autógrafos já podem ficar à espreita: Jessica Chastain chega a Berlim com o mexicano Dreams (direção de Michel Franco). Tilda Swinton marca presença na abertura do festival, recebendo o Urso de Honra por sua trajetória no cinema. Timothée Chalamet apresenta-se em Like A Complete Unknown, um retrato de Bob Dylan, dirigido por James Mangold, garantindo momentos de glamour fora da competição. Robert Pattinson (Mickey 17, dirigido por Bong Joon-ho) e Benedict Cumberbatch (The Thing with Feathers, dirigido por Dylan Southern) também participam em Berlim de exibições de gala.Seção Perspectivas: novidade no festival
Aproximadamente 200 filmes serão exibidos na Berlinale deste ano – uma programação enxuta mantida por Tuttle. A nova mostra competitiva “Perspectives”, voltada para estreias de longas-metragens, com 14 filmes concorrendo, é aguardada com ansiedade. A seção “Encounters”, criada por Carlo Chatrian para produções inovadoras, foi cancelada por Tuttle. Embora o fomento de novos talentos seja tarefa de um festival, resta a pergunta: esses filmes precisam de fato de uma seção exclusiva?
Anton Franke em “Mit der Faust in die Welt schlagen”. Estreia de Constanze Klaue na direção. | Foto (detalhe): © Flare Film / Chromosom Film
Desde sempre, um palco para debates
Fundada em 1951 sob o lema “janela para o mundo livre”, a Berlinale foi, desde seus primórdios, mais do que apenas um festival de cinema – em meio à Guerra Fria, era um aceno político, uma espécie de ponte entre culturas. Até hoje, o festival entende-se como um palco para debates sociais e um espelho dos conflitos globais. Uma ambição que sempre traz alguns desafios. Nesses 75 anos de história, a Berlinale tem sido também com frequência palco de discussões políticas – desde a escalada em torno do filme o.k, de Michael Verhoeven, em 1970, que levou ao primeiro e único cancelamento do festival, até as controvérsias em torno da edição mais recente, em 2024, quando declarações sobre o conflito Israel-Gaza desencadearam uma discussão sobre antissemitismo. Essas tensões são evidentes: um festival internacional precisa ser também um lugar de equilíbrio entre a liberdade de expressão e um discurso respeitoso.
Marion Cotillard no filme da mostra competitiva “La Tour de Glace” (The Ice Tower). Direção: Lucile Hadžihalilović | Foto (detalhe): © 3B-Davis-Sutor Kolonko-Arte
Em primeiro lugar, os filmes
Na entrevista coletiva de apresentação da programação desta edição, Tricia Tuttle destacou os esforços de sua equipe para acalmar os ânimos sem comprometer o espírito aberto do festival: “A Berlinale deve continuar sendo um lugar onde diferentes perspectivas sobre conflitos políticos podem ser discutidas”. Ao mesmo tempo, alerta a diretora, não se dever perder de vista o essencial: os filmes. Pois, afinal, são eles que apreendem as realidades sociais, abrindo novas perspectivas e fazendo da Berlinale o que ela é. Os próximos dias devem mostrar se o festival de 2025 vai conseguir se equilibrar nesse sentido – seja nas telas, nos debates ou na pergunta: até que ponto a arte, a liberdade de expressão e a política podem ser negociadas?Links relacionados
Fevereiro de 2025