Miki Yui  “Na floresta, senti como se estivesse voltando para casa”

Floresta Amazônica em Manaus
Floresta Amazônica em Manaus © Miki Yui

Conectando sons, narrativas e o meio ambiente em seu trabalho, a artista e compositora japonesa Miki Yui relata como ouvir pode se transformar em um ato ecológico.

Miki Yui estudou Artes Plásticas no Japão. Em 1994, mudou-se de Tóquio para Düsseldorf, profundamente influenciada pela obra de Joseph Beuys (1921-1986). Na cidade, descobriu a cena musical eletrônica alemã dos anos 1990, em ascensão naquele momento, o que ampliou seus horizontes artísticos. Enquanto estudava performance, vídeo e cinema com Nan Hoover na Academia de Artes de Düsseldorf, percebeu que o trabalho com o som era mais inspirador do que aquele com imagens – o que a levou a continuar seus estudos em arte e mídia em Colônia.

A partir de 1997, Miki Yui concentrou-se em composições eletroacústicas, instalações sonoras e performances, lançando seu primeiro álbum solo, small sounds, em 1999. Desde então, lançou oito álbuns solo e trabalhou em obras para rádio e instalações. Para a artista, o trabalho surge através de um diálogo com o material, com o objetivo de criar ambientes – através do desenho, do som ou da música – que ativam a imaginação. Nos últimos anos, sua pesquisa tem se voltado cada vez mais para temas ambientais, abordando a comunicação entre espécies, a relação entre humanos e plantas e o papel da escuta como prática ecológica.

Seu “background” cultural japonês influencia sua relação, no som, com o silêncio, o espaço e a natureza?

A cultura japonesa está encrustada em mim, o que influencia a maneira como percebo e compreendo o mundo. A relatividade, o sentido de “Ma” (o tempo e o espaço entre os dois) está, de alguma forma, muito presente em meu trabalho. Cresci em Tóquio e as minhas experiências de infância se deram, em grande parte, em um ambiente urbano. Aos poucos, fui adquirindo sentido para as plantas, o ambiente e a natureza através da minha vivência em Düsseldorf.

Recentemente, seus interesses se transferiram para a natureza e você tem pesquisado a comunicação entre espécies. Como isso se dá?

Em 2018, com o apoio do Goethe-Institut São Paulo, participei do programa de residência artística LabVerde na Floresta Amazônica, em Manaus. Na floresta, senti como se estivesse voltando para casa – de volta à floresta no fundo de mim mesma. Era como se a floresta fosse parte do meu corpo. A partir dessa experiência, o impacto destrutivo dos seres humanos sobre o meio ambiente tornou-se muito concreto.
Paralelamente a meu trabalho como artista que trabalha com som, comecei uma pesquisa artística coletando e gravando histórias muito pessoais de pessoas que vivem e trabalham em contato com a natureza. Pesquisas anteriores que fiz sobre questões semelhantes ocorreram em Hengchung (Taiwan) e Abruzzo (Itália).

Durante minha preparação para a residência Vila Sul no Goethe-Institut Salvador, em 2024, aprendi sobre o pau-brasil e a história da Mata Atlântica, que foi severamente destruída durante o período colonial a partir de meados do século 16. A amplitude da destruição me chocou. Decidi então abordar a relação entre os seres humanos e as árvores na Bahia, particularmente a relação com árvores que estão em perigo de extinção. Eu também me interessei pelos manguezais. A degradação desse ecossistema é um problema global que ocorre em decorrência da poluição da água, da agricultura, da infraestrutura e das mudanças climáticas. Minha pesquisa na Vila Sul resultou em uma peça de áudio intitulada “Plantas na Bahia”, na qual 15 pessoas compartilham suas histórias pessoais com uma planta.
Floresta Amazônica, Manaus.

Floresta Amazônica, Manaus. | © Miki Yui

Acredito no poder da narrativa. A voz de uma pessoa não conta apenas uma história, mas também revela muitos aspectos da vida de uma maneira sutil. Essas histórias da Bahia estão interligadas com sons eletrônicos e com sons que coletei em diferentes lugares. Convido o público a ouvir as histórias em estado de contemplação. Essa é a melhor maneira de sentir a vida entrelaçada ao ambiente.

Hoje em dia, fala-se com frequência de ecologia em termos de crise. Você acredita que o ato de ouvir é um ato ecológico?

Sim! Ao ouvir, aprendi a me reconectar com outras espécies e com o meio ambiente. Minha abordagem é poética, não científica. Através do meu trabalho, procuro expandir o potencial da escuta. Ouvir pode ativar nossa imaginação e empatia, abrindo nossos sentidos para as linguagens misteriosas das espécies e para o que está entre elas – sentindo as conexões dentro dessa vida interligada. Convido o público a descobrir outra maneira de ouvir, a se encontrar, como participante, dentro da música de seu ambiente direto.

Você trabalhou também em um projeto em Cape Coast, em Gana, investigando o papel da música na democracia. Poderia nos contar mais sobre esse projeto?

A convite da Fundação Beethoven e do Soundforum Bonn, fui convidada, ao lado de Stefan Schneider, um artista e músico que vive em Düsseldorf, a pesquisar como o som molda a comunidade e como a comunidade molda o som.

A pesquisa foi realizada em Acra e em Cape Coast em 2023/2024, quando entrevistamos pessoas de diversas áreas que trabalham para servir a comunidade – em um arquivo cultural, em uma estação de rádio comunitária, além de um escritor que aborda a cultura em suas obras, jornalistas, acadêmicos e mestres de percussão. Gravamos canções de pescadores e suas cerimônias fúnebres e fizemos gravações de campo. Através de todas essas histórias coletadas, aprendemos sobre a sociedade, sua maneira de manter as tradições vivas e decolonizar as estruturas para construir uma comunidade sustentável.
Samaúma, Brasil.

Samaúma, Brasil. | © Miki Yui

Por fim, o que você está ouvindo agora, que pode influenciar seu próximo trabalho?

A residência de artistas em Salvador [Vila Sul] fica no centro da cidade; o barulho constante do tráfego era muito predominante. Durante algum tempo, senti-me incomodada pelo ruído denso e contínuo. Através da escuta ativa, descobri várias camadas de acontecimentos pulsantes dentro do barulho do trânsito. À medida que o sol nasce, não só os pássaros e outros animais, mas também o tráfego e as atividades humanas mudam. Pude sentir a transformação contínua da paisagem sonora nessa floresta urbana.

A paisagem sonora e as histórias da Bahia certamente farão parte das minhas próximas obras. Estou criando vários trabalhos comissionados para composições multicanais. Em outubro, uma nova peça vai ser apresentada no GRM Paris. No próximo ano, vai ser inaugurada outra instalação sonora multicanal para uma estação de metrô em Düsseldorf.

O programa de residências artísticas VILA SUL foi criado em 2016 e segue uma orientação temática, cujo eixo central é o “Sul”. A partir disso, a cada ano são definidos pilares principais, tais como “Herança africana/pós-colonialismo”, “Desenvolvimento urbano” e “Sustentabilidade” (destaques entre 2023 e 2025). Em 2026, o programa concentra-se no tema “Fábricas de narrativas - tecidos de histórias”.

https://www.goethe.de/ins/br/pt/sta/sal/res.html

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