A artista cambojana Sreymao Sao aborda a memória, a água e o senso de comunidade através da sua prática, refletindo sobre as mudanças ambientais e o desaparecimento das paisagens.
Nascida em 1986 em um campo de refugiados na fronteira entre a Tailândia e o Camboja, Sreymao Sao foi apresentada à arte por seu pai, um professor ligado à escola de artes do campo onde viviam. Depois de retornar a Battambang, passou por períodos de prática com instrutores locais e internacionais, estabelecendo as bases para seu trabalho multidisciplinar.A obra de Sreymao Sao envolve desenho, fotografia, arte digital, escultura, vídeo e performance, intercalando muitas vezes memórias pessoais com reflexões sobre as mudanças nas paisagens urbanas e rurais do Camboja. “A curiosidade, a comunidade e a narrativa deram forma a meu trabalho. Nascer em um campo de refugiados moldou minha mente de forma distinta daquela de outras pessoas. Tudo pode se transformar em trauma ou oportunidade”, reflete a artista.
Memória como fundamento
A memória permeia a prática de Sreymao Sao. “Trabalho tanto com a memória pessoal quanto com a memória coletiva, e também com a forma como elas se sobrepõem”, explica. “Uso minha própria história, minha família ou experiências em comunidade como pontos de partida para histórias maiores, que são difíceis de registrar”, conta. Suas obras abordam a distância entre o passado e o presente, a beleza e a perda, e os modos tradicionais de vida em uma sociedade em transformação. Em Under the Water (2018), por exemplo, Sreymao Sao constrói imagens de comunidades em extinção afetadas pela degradação ambiental ao longo do rio Mekong.Água e meio ambiente
A água define a compreensão de Sreymao Sao sobre o tempo e o espaço, atuando como metáfora para a conexão e o desaparecimento, como em Between Land and Water (2023), obra na qual a artista documenta famílias forçadas a se mudar de casas flutuantes no lago Tonle Sap para a terra firme, mantendo os nomes de suas aldeias, mas perdendo a identidade local.Por meio de desenhos, fotografias e instalações, Sreymao Sao registra esses deslocamentos ambientais e emocionais. Seu envolvimento com a água ampliou-se para além do Camboja durante a residência Vila Sul no Goethe-Institut Salvador em 2024, onde trabalhou com Luan Souto e Elles Gomes em The Breath – Through the Sea (Respiração – Através do Mar,
2025), um vídeo que aborda a vida nas comunidades costeiras da Bahia. O projeto será apresentado em Berlim com o coletivo mp43.
Sreymao Sao, “Old Village”, de: “Between Land and Water” (2023) | Cortesia da artista
Comunidade como método
Trabalhar em estreita colaboração com as comunidades é fundamental para o processo de Sreymao Sao. Em Between Land and Water, ela passou um ano documentando a vida das famílias e, posteriormente, expôs o trabalho ao lado do lago Tonle Sap, para que a comunidade local pudesse interagir com ele. “Estabelecer a confiança leva tempo”, diz a artista. “As pessoas se abrem quando sentem que você está lá para ouvir, não para tirar algo”, completa. Seu projeto Breathing Threads (2023) conecta essas ideias à indústria do vestuário, a segunda maior fonte de renda no Camboja. Com raízes na história da fábrica de sua família, ela passou um tempo com trabalhadores da indústria do vestuário e suas famílias, observando a resiliência das mesmas em condições de vida em espaços superlotados, bem como suas estratégias de sobrevivência.
Sreymao Sao, “Breathing Threads”, (2023). | Cortesia da artista
Espaço de arte
Além de sua prática individual, Sreymao Sao é cofundadora do tiSamjort – um espaço coordenado por artistas em Phnom Penh, cujo nome significa “local de descanso”. O que começou como um ponto de encontro evoluiu para uma residência de artistas locais e internacionais. “Aos poucos, tornou-se um lugar para compartilhar oportunidades, oferecendo não apenas descanso físico, mas também descanso mental — uma zona segura”, diz ela. O local recebe artistas da Alemanha, Mianmar e Filipinas, realizando workshops e residências de curta duração, a fim de promover o intercâmbio e a colaboração.Trabalhos futuros
Após retornar do Brasil, Sreymao Sao enfrentou desafios pessoais e ambientais, entre eles conflitos em regiões de fronteira e inundações. Agora, ela está transformando a casa de sua família em Battambang em um estúdio e espaço de exposições, que planeja inaugurar com uma nova série de trabalhos no início de 2026. Transformando a reforma de sua casa em parte de seu processo artístico, ela afirma: “Não se trata apenas de reconstruir um abrigo, mas de renovar seu espírito”. A série abarca a cura, a resiliência, a memória e a renovação – evidenciando como continuamos de pé, mesmo quando a história repete suas feridas.Outubro de 2025