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Literatura negra alemã
Pátria, identidade e racismo

A literatura negra alemã tem uma longa história e engloba um espectro muito grande de obras
A literatura negra alemã tem uma longa história e engloba um espectro muito grande de obras | Foto (detalhe): © Philipp Khabo Koepsell

A literatura negra alemã tem uma longa história e engloba um espectro muito grande de obras. Inclui não apenas poesia e autobiografias, mas também obras académicas e de ativismo político. No entanto, os autores negros alemães continuam atualmente a ter muito pouca visibilidade, em especial aqueles que se dedicam à ficção.

De Philipp Khabo Koepsell

A literatura de escritores negros faz parte do panorama literário alemão há muitos séculos. Alguns autores foram imigrantes, outros têm uma história de migração; uns escrevem em alemão, outros simplesmente vivem na Alemanha. No entanto, todos se debruçam sobre assuntos semelhantes. Refletem sobre identidade e pátria, experiências com racismo e a sua reação pessoal a ele.

O primeiro autor negro na história da Alemanha foi provavelmente o filósofo Anton Wilhelm Amo, que publicou as suas obras ainda durante o tempo do Sacro Império Romano-Germânico. Nascido no Gana, foi deportado como escravo para a Europa em criança, tendo acabado por se tornar cientista e ser professor e investigador em várias universidades alemãs. Mais de um século depois, no início do século XX, começaram a surgir as primeiras obras escritas por negros que não tinham origem académica, tais como os escritos políticos Elolombe ya Kamerun, de 1908, e um panfleto comunista denominado The Negro Worker, editado em Hamburgo no início dos anos 30 do século XX. A produção da peça de teatro Sonnenaufgang im Morgenland, de 1930, é da autoria do ator negro Louis Brody, que na encenação procurava evocar as imagens estereotipadas de África.

Dar uma voz aos negros alemães

As primeiras obras literárias de autores negros alemães eram caracterizadas pela vontade de serem aceites e respeitados como alemães. Dualla Misipo nasceu na República dos Camarões, viveu na República de Weimar e foi alvo de perseguição no tempo do nacional-socialismo.nas décadas de 1960 e 1970, Misipo editou a sua obra épica Korongo: Das Lied der Waganna e um conto autobiográfico denominado Der Junge aus Duala. Dessa mesma altura existem coletâneas de poesia de alguns autores que participaram em programas de residência do Literarisches Colloquium Berlim, que permanecem bastante desconhecidos nos circuitos académicos.

 

 

A partir de 1980, a produção literária negra alemã começou a desenvolver-se com mais força. Na década de 80 do século XX, escritoras, escritores e performers africanos exilados na Alemanha fundaram em Berlim a African Writers Association, que publicou a revista literária AWA Finnaba entre 1983 e 1988. Entre 1988 e 1999 foram publicadas duas outras revistas: Afrolook e Afrekete. No seu todo, estas três revistas representavam uma coleção abrangente de poesia e pequenos contos de literatura negra alemã.

Em 1986, a publicação de Farbe bekennen: Afrodeutsche Frauen auf den Spuren ihrer Geschichte (Mostra as tuas cores: mulheres afro-alemãs à procura da sua história) representou um ponto de viragem a nível do ativismo literário. As autoras pesquisaram a história negra alemã, mostraram as ligações sociológicas do racismo e alertaram para a situação particular das mulheres negras. Outras associações alemãs como a ADEFRA Schwarze Frauen in Deutschland e a Initiative Schwarzer Menschen in Deutschland (ISD) contribuíram durante mais de 30 anos para dar uma voz aos negros alemães numa sociedade com maioria branca.

Mudança na autoperceção

A literatura negra alemã mais recente demonstra uma mudança na autoperceção dos autores. Os escritores e escritoras já não procuram tanto ser considerados iguais aos alemães. Estão conscientes que podem ser alemães, mas não são obrigados a isso.

Nas décadas entre 1980 e os anos 2000, poetas como May Ayim, Raja Lubinetzki e Olumide Popoola  tentaram chegar a consenso sobre os aspetos multifacetados da identidade afro-alemã. Refletiram sobre a presumível incompatibilidade entre ser negro e ser alemão e sobre os dilemas que daí resultam para a identidade própria. A poeta Raja Lubinetzki escreveu: "Estranho que seja exatamente em língua alemã / que eu, que tudo sou menos alemã / admito ser alemã / estar doente numa existência alemã perante o meu direito / que me obriga a não ser alemã."

Em 2006, a poeta Chantal Sandjon escreveu na sua obra i dream revolutionary our revolutionary dream: "hoje à noite sonhei com a revolução em vermelho, preto & verde e não em preto e branco." Vermelho, preto e verde são as cores da bandeira pan-africana e simbolizam um contexto novo: posicionam a história negra alemã como parte de uma experiência de diáspora internacional. 

Espaços para o desenvolvimento

Ainda hoje os escritores e escritoras negros alemães têm menos visibilidade na produção literária, especialmente aqueles que escrevem ficção. Algumas exceções de sucesso são a escritora inglesa Sharon Dodua Otoo, que vive em Berlim e que ganhou em 2016 o Prémio Ingeborg Bachmann com o seu conto Herr Gröttrupp setzt sich hin, a escritora de origem nigeriano-alemã, Olumide Popoola, cujos livros em língua original inglesa são publicados a nível internacional, ou a escritora Melanie Raabe, cujos livros foram já traduzidos para muitas línguas e que vendeu os direitos cinematográficos do seu romance de estreia Die Falle.

Com a criação do Prémio May Ayim em 2004 e do concurso de escrita para jovens autores Prophets of Wakanda, lançado em 2018 pela associação de Berlim Each One Teach One (EOTO), foram criados, nos últimos anos, novos espaços para celebrar e homenagear o desenvolvimento literário dos jovens autores negros alemães. E não se deve esquecer a importância dos palcos de leitura e eventos de poesia como a Parallelgesellschaft, a One-World-Poetry-Night ou a Poetry meets Hip Hop, espaços onde os jovens escritores negros alemães podem treinar as suas capacidades literárias.